9 de dezembro de 2012

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Da poltrona à cadeira elétrica da mamãe



Na crônica A MARCA DO GÊNIO publicada na última quinta-feira, escrevi que desde garoto tinha gosto em desenhar plantas baixas da casa onde eu iria morar quando eu crescesse. Um detalhe nunca faltava: uma poltrona onde eu indicava com uma flecha vermelha e letras grandes a “poltrona da mamãe”.

Uma leitora assídua comentou que se ela fosse desenhar uma casa agora, não teria a "poltrona da mamãe", mas a "cadeira elétrica da mamãe". E terminou assim: “Ai, como é forte a raiva que a gente sente às vezes, mesmo das pessoas que a gente ama, não é? Por isso o divã é uma luta... vai o analista dizer que você quer matar sua mãe eletrocutada - ainda que simbolicamente, claro - e a primeira reação é negar, negar, até a morte!”

A leitora expressou de forma tragicômica essa ambiguidade que frequentemente nos dilacera, a qual Elis Regina entoava como só ela:
“As aparências enganam aos que odeiam e aos que amam
Porque o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões”.

A psicanálise leva essa ambiguidade muito a sério: amor e ódio não são antípodas mas sim dois lados da mesma moeda. O amor, diz Lacan, é um enamoramento, une énamoration. Mas Lacan não seria Lacan se não o dissesse de forma provocativa e equívoca, criando um neologismo : hainamoration (haine, em francês, é ódio). Lacan brinca com a homofonia existente entre énamoration et hainamoration. Assim, l’amour est une hainamoration, misto de amor e ódio, “amódio” como se costuma traduzir em português.

É essa ambiguidade do amor expressa na hainamoration que faz com que a “poltrona da mamãe” se transforme muitas vezes na “cadeira elétrica para a mamãe”, no coração do mais amoroso dos mortais. Ainda que, revoltado contra si mesmo e o que lhe parece totalmente insano – “como posso odiar mamãe? (!!!)” - sua primeira reação seja a de negar, negar, negar até a morte: “odiar mamãe? Jamais, jamais! Mamãezinha querida: eu sempre te amei e sempre vou te amar...”


Si je commence par l’amour,
c’est que l’amour est pour tous,
− ils ont beau le nier, −
la grande chose de la vie.


Baudelaire

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