19 de maio de 2013

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(Minh)a hora e (minh)a vez do diospyros kaki






Confesso que sempre o achei bonito. Doce e saboroso também. Mas não a ponto de preferi-lo a outros integrantes da fruteira:  manga, abacaxi, abacate, tangerina, laranja. Desde minha infância lembro-me dele à mesa, meus pais fazendo-lhe elogios, enaltecendo suas virtudes. Acho que fiquei com a ideia de que ele era mais para o gosto dos adultos que das crianças. Às vezes o tinha nas mãos, sem muita alegria ou convicção, mordia-o, achava bom, sem exaltação. Parecia-me meio sem graça, o sabor muito aquém de sua cor, mais para se ver do que para se comer. Sem falar na viscosidade esquisita: era muita lambança para pouco prazer. Anos a fio o desdenhei, fiz pouco caso dele, o preteri, sem muita consciência de fazê-lo. Simplesmente vivi com ele deixando-o para lá: o conheci desconhecendo-o, o avistei sem vê-lo, o provei sem descobri-lo. E mais do que isso: sem saber o que eu estava perdendo. Tão frequentemente humano, não?


Mas sempre é hora de despertar para a extraordinária novidade daquilo que pensamos conhecer bem e que, na verdade, não conhecemos. Foi o que aconteceu comigo. A cor, sempre a vibrar. Eu já deveria ter atinado: cores não vibram à toa. Macio no toque, a pele muito fina, delicada como a seda oriental. Amadurece rápido, tão rápido, que de um dia para o outro, se abre no simples apertar de dedos e desmancha-se na língua como um pudim. E que fineza de sabor! - sutil como uma flor. Só poderia ter vindo do Oriente.


Seu nome, que origem tem? Não sabia, soube hoje. Em Portugal, chamam-no de dióspiro (diospyros), do grego dióspuron que significa "alimento de Zeus". Entre nós, cá, aqui: caqui, do japonês kaki. Dióspiro ou caqui, é realmente dos deuses. Não é à toa que levei tanto tempo para finalmente descobri-lo: chegar ao paladar do Olimpo requer aprendizagem, longa maturação dos sentidos.


Seja como for, agora é (minh)a hora e (minh)a vez do caqui: não tenho mais um segundo sequer de sabor a perder. A vida é feita para se lambuzar.

4 comentários:

  1. Sempre gostei muito, mas depois do que você escreveu, tenho certeza que vou apreciar ainda mais. Parabéns pela (re)descoberta e por compartilhar seus sentimentos nos ajudando a (re)descobrir esta fruta tão bonita e gostosa! Abraço.

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  2. Caro Francisco

    As coisas só possuem sentido na medida em que são compartilhadas. Sabores, cores, aromas, texturas também.
    O que dirá dos sentimentos?
    Obrigado por acompanhar o Diário.

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  3. Eu me admiro com sua capacidade de transformar um caqui numa coisa poética. Admirável e saboroso.
    Graça

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  4. Prezada Graça

    A poesia não está justamente no simples?
    Obrigado por acompanhar o Diário.

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