28 de junho de 2013

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Susana "fora do normal"



Em tempos de Fora! - Fora Cabral! Fora Feliciano! Fora Paes! Fora Dilma! - Susana Vieira não poderia estar dentro. Claro. Na capa da revista QUEM desta semana, vê-se o rostinho de adolescente da atriz septuagenária e a manchete: 

“Tenho vivacidade sexual fora do normal”. 

É. Fora do normal. 

Bem, Freud já nos ensinou que humanidade não rima com normalidade. E Caetano já cantou: de perto ninguém é normal. Susana Vieira não foge à regra: deve lá ter suas anomalias sexuais bem vivazes como todo mundo. Nisso, ela não está fora de nada. Fora está de outra coisa

Para início de conversa, que Susana Vieira tem uma vitalidade de tirar o fôlego e fazer inveja a muita mulher de 30, 40, isso tem. Ser Rainha de bateria de uma Escola de Samba, mesmo sem ter samba no pé, não é para qualquer uma. E que isto fique bem claro: tudo é escolha, e não se trata aqui de fazer um juízo de valor acerca da escolha pessoal de ninguém. Ainda que possa parecer curioso ou esdrúxulo alguém julgar que sua "vitalidade (sexual) fora do normal" tem relevância pública, o que importa não é a escolha de Susana em fazer alarde disso na pele da ninfeta sempre na flor da idade, mas o que está em jogo nesta escolha.

Cada vez que vejo uma nova foto de Susana Vieira me lembro do personagem do filme O Curioso Caso de Benjamin Button: ele nasce com oitenta e poucos anos e rejuvenesce a cada dia que passa. Assim Susana se nos parece: sua imagem retroage no tempo à medida que este avança. Cada dia mais vangloriosa, mais hiperativa, mais  juvenil, mais “fora do normal”. Rosto perfeito de boneca, sorriso imaculado, tez rosada, aveludada como o pêssego, narizinho afilado, nenhuma ruga, marca, vestígios de passado, só um imperativo: jovem! sempre jovem! cada dia mais jovem! A imagem de Susana na capa da revista não é a de uma mulher madura que sabiamente aprendeu a negociar com o tempo e a tirar belo partido dele: é a camuflagem photoshopada da verdade impossível de se photoshopar, enganar, dissimular - cada um de nós é e se sabe temporal. E é disso que ela está fora ou tem a ilusão de estar: da aceitação serena e positiva do tempo que lhe daria, esta sim, uma renovada e verdadeira juventude. 

O tempo é mesmo aterrador, angustiante. Ninguém escapa, não tem jeito: é a norma de todos nós. Deixa sempre sua marca, marca da finitude que somos. Por isso assusta, e um pouco de ilusão é preciso para viver. Arte, cinema, novelas, livros, amores, erotismo, cosméticos, cirurgias plásticas, para que servem? Não nos dão vivacidade em nossa lida com o tempo? Nada mais "normal". Fora do "normal" não é ter vivacidade, longe disso: é querer se iludir, numa vaidade cega e sem limites, que se pode ficar fora do tempo. Em vez de viva(c)idade, vil-vaidade: isto sim pode ser ainda mais aterrador do que o próprio tempo.

Como diz o verso latino: Vanitas, vanitatum omina vanitas...





9 comentários:

  1. Você a fotografou através da foto e viu nela "tristeza". É óbvio para mim também que ela demonstra uma relutância em relação ao tempo e seus reflexos, mas creio que seja sempre, e em última instância, uma questão de escolha, de livre escolha. Não sei se o texto, ainda que traga uma sólida e pertinente reflexão em relação ao tempo, ao tomá-la como "objeto", ou melhor, "sujeito de análise", não termina desaguando em um juízo de valor.

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    1. Caro leitor

      Naturalmente, como você bem faz lembrar, é uma questão de escolha, de LIVRE escolha. Portanto, não se trata aqui de julgar a escolha de ninguém, pelo menos esta não é a intenção. A proposta é fazer uma reflexão - com base na realidade photoshopada e nas "escolhas" alardeadas das capas de revista - acerca da dificuldade de todos nós humanos em assumir nossa condição temporal.

      Obrigado por acompanhar o Diário.

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  2. Sinceramente? Não consigo ler o texto abstraindo a pessoa de quem se trata nele. Acho que o problema da Suzana Vieira - pura especulação, claro, não a conheço a ponto de poder afirmar nada! - é achar que pode viver acima do tempo, do bem e do mal, dos outros... do pouco que assisto TV, e cada vez assisto menos, já tive oportunidade de vê-la despida de personagem, ou melhor, personagem criado por outro autor que não ela mesma, e como as coisas correm, e as capas de revista estampam, como você bem lembrou, ficamos sabendo que ela deu um "piti" num programa de TV ao ser eliminada num concurso de dança! Ao vivo, muito "p da vida", e descontroladamente, se dizia injustiçada!
    Em outra ocasião, tomou o microfone de uma jovem que fazia uma entrevista, e disse que ela não tinha experiência, que deixasse por conta dela. Hãnnn? (Acho que ela ODEIA as jovens... só ADORA os jovens, talvez por lhe darem a ilusão de ainda ser também).
    E esta eu assisti, no programa Sem Censura: alguém comentou, elogiosamente, sua atuação numa novela que estava no ar, dizendo mesmo que ela estava maravilhosa no papel. Ela respondeu com ar irônico: "Meu bem, eu sempre fui maravilhosa"!
    Aí eu páro e penso: em que mundo vive esta criatura?
    Confesso: não sei lidar com isso, nem ser imparcial quando se trata de gente que não tem simplesmente dificuldade em lidar com a passagem do tempo, até porque acho que todos temos, em maior ou menor grau. Gente egocêntrica, ególatra, ao ponto em que é essa aí... sei lá, fico por aqui!

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  3. Claudio, seu olhar foi preciso, chato é conviver num mundo narcísico e perfeito como este que vemos nas Carsa e Quems da vida... Resta pra nos, pobres mortais acharmos nossa turma e tentarmos ficar de fora desta loucura.
    Fora deste mundo, chato, perfeito, ilibado, branco, e tão sem graça! Já reparou que as propagandas quando querem mostrar algo muito "fino e chic " são em detalhes brancos? Este mundo non ecsiste... as pessoas envelhecem, mas hoje isso é quase um crime, uma ruga? Meu Deus, corro pro botox! Ficamos frustrados por não sermos capazes de alçar a tao alto padrão de exigência ..e ao invés de largarmos o ideal, a maioria, consome mais... Jogada de marketing? Parece ser...Pois gente feliz consome menos.. E quem te quer feliz e razoavelmente adaptado?

    Marcella Carvalho

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  4. De repente me veio à cabeça um poema curtinho que escrevi (e que estará no livro da Oficina Literária que frequento) e vai aqui em primeira mão:

    sem remake, copydesk
    photoshop ou revisão,
    a vida é como ela é:
    não tem ilha de edição.

    Acho que é por aí... o que essa mulher e tantas (por que não dizer tantos) outros querem é uma vida que não há. É voltar o tempo e congelá-lo.
    Na vida real é diferente.O photoshop edita a imagem, não o tempo. O remake é de algo passado. Ilha de edição, só na ficção...

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    1. Bonita poesia. Tudo a ver com o texto.
      Obrigado!

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    2. Miriam

      adorei seu poema. Preciso e conciso. E acho que posso dizer que, gente como eu, que trabalha com televisão e cinema, tem uma dificuldade enorme em aceitar a passagem do tempo real. Veja bem, não sou atriz. Não vivo essa angustia do declínio da beleza e da juventude na intensidade em que essas atrizes e atores experienciam. Mas ao esculpir o tempo narrativo na ilha de edição, ao "cortar" os tempos mortos da cena (em novela não há silencio, respiro), em justapor os planos numa sequencia ritmada, ficamos tao acostumados com esse ritmo inventado que as vezes o tempo de espera numa fila, de cozinhar uma carne, de executar uma acao no plano real nos parece infinitamente tedioso. Sem querer, nos tornamos um pouco mais impacientes e descolados da realidade. Frustrante.

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  5. Li e gostei muito, aliás como sempre, adoro a sutileza com a qual você aborda os diversos temas discutidos em seu blog.
    O tempo, como você mesmo colocou é aterrador, ele é como a angústia, “não engana”. Por mais que se tente velar, ele se apresenta através de suas marcas.
    Acho que o tempo é temido por desvelar o real da morte. Na ânsia de evitar se deparar com o inevitável, as pessoas buscam desesperadamente uma ilusória juventude, aquela fase quando somos destemidos e acreditamos que nada pode nos acontecer ou deter. Talvez seja isso que a Susana Vieira busque em sua fantasia.

    Ana Cristina.

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  6. dani guia cor de rosa28 de julho de 2013 às 13:33

    Qdo sexta a noite a vi na novela foi sob outra ótica. Mudou meu jeito de percebe-la. Olhos mais críticos e compassivos. Não era apenas uma mulher esticada e repuxada (e, desculpa, mais feia), mas o simbolo da luta contra o imponderável. Adorei.

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