8 de junho de 2013

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França em chamas?






Ando mesmo consternado, atônito, triste até. Dia após dia, a França - tão querida França dos direitos humanos, gosto pela(s) cultura(s), movimentos de avant-garde, savoir-vivre refinado, arte, pensamento, língua e literatura incomparavelmente belas - vem mostrando uma face assustadora. 

Discurso rasgadamente xenófobo e passeatas reacionárias gigantes nas ruas de Paris têm sido frequentes de uns meses para cá. É óbvio, qualquer pessoa minimamente avisada sabe, que não expressam o sentimento da maioria dos franceses, muito pelo contrário: representam apenas alguns grupos militantes de extrema direita e simpatizantes. O que não é menos de se estranhar. Na última quarta-feira, 5 de junho, mais esta: agressões perpetradas por skinheads nos arredores da estação Saint-Lazare, bem no centro de Paris, ocasionaram a morte de um estudante de 19 anos. Mais do que preocupante, assustador, aterrador. Em meio a tanta absurdez, lancei aos quatro ventos um desabafo desesperado:

ALGUÉM PODE ME EXPLICAR O QUE ESTÁ ACONTECENDO, NÃO NA FRANÇA, MAS COM A FRANÇA???

Uma amiga francesa de Paris 8 veio prontamente em meu socorro: “A devastação da imbecilidade alimentada pela ignorância, plantadas em solo de pulsões não sublimadas ... O que você quer que lhe diga? É  consternador, não mais surpreendente ...”

Para bom entendedor meio pingo é letra, e para os psicanalistas, a (não) sublimação das pulsões, é Freud. Segundo o pai da psicanálise, sublimação é o processo através do qual a pulsão (energia sexual)  é canalizada para atividades não sexuais (tais como a criação artística ou intelectual): ela permite a vida, mais ou menos harmoniosa, em sociedade. No caso de não sublimação, a pulsão pode se voltar para atos de agressão e violência. De certo, Freud sempre dá panos pra manga. Polêmica também. Lacan, é claro, botou fogo na lenha, resgatou a sublimação freudiana, foi além. Mas uma coisa ficou: na sublimação, o vazio ou a falta de sentido ganham forma, permitindo que cada um se relacione com o outro na criação de formas e valores socialmente valorizados. Do contrário, o que se pode esperar são comportamentos associais, brutais e devastadores como o assassinato do jovem Clément Méric. 

Seja como for, a França vem dando mostras coletivas de que em tempos de crise real nada melhor do que um bode expiatório como remédio imaginário. Melhor para se piorar o que já está ruim: desemprego galopante, recessão econômica, pessimismo da população, intolerância, ódio, incertezas. Nesse contexto, que muito faz lembrar, guardadas as devidas proporções, o da Alemanha dos anos 1920, hostilizar um inimigo fabricado por líderes extremistas e inflamado pela fantasia popular, é um passo para o que a gente sabe bem o quê. Não há Paris, França, Mundo que resista às chamas. 

Meu coração também não.




10 comentários:

  1. Infelizmente, esse fenômeno não se restringe à França. Já seria terrível que fosse apenas lá, mas é pior: o mundo está cada vez mais xenófobo, as pessoas têm medo de perder seus empregos (e estão perdendo, com ou sem estrangeiros), a troika está arrasando com tudo,vai tudo muito mal.
    O que me dá ainda um pouco de esperança é ver o povo reagindo. É na Grécia, na Espanha, Turquia, enfim, não é uma coisa pontual, é um movimento de cobrança, de reivindicação.
    Não posso falar de sublimação - não sou psicanalista - , mas falo como alguém que está assistindo a um momento histórico dos mais importantes, em que está se chegando a uma situação-limite.
    Espero que o mundo sobreviva.

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    1. A França causa-nos ainda mais espanto e indignação por seu histórico enraizamento político-humanista. A França é um símbolo da vitória dos ideais libertários sobre o obscurantismo e a opressão.

      Obrigado por acompanhar o Diário.

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  2. Parabéns pela sua constante indignacao. Cruz credo! Nao sabia q sexo mal dirigido pode gerar tudo isto. Convocacao mundial: todos para cama praticando muito sexo. E viva os tempos de : faca amor, nao faca a guerra. BJ.
    Carmen Menezes

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  3. Eu acho que a França está descaracterizada.
    Atualmente,Paris é habitada por uma gente diferente (para onde foram os parisiences?), muitos e muitos imigrantes de todos os lados com conceitos diversos, divergentes, velados se aturam.
    Vi muita gente estranha vivendo lá, não franceses - que são tolerantes,chiques -. Eu senti que as pessoas que moram em Paris não se suportam e a agressão é gratuita.Pelo olhar.
    Essas reações reacionárias só mostram a falta de tolerância, falta de amor à vida; àquilo que dizes sobre o vazio da sublimação. Robôs,artificiais,,sem sentimentos, sem o sopro divino, e a estes a vida não vale nada.

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    1. Amigo, desculpe, mas achei seu comentário um pouco infeliz e xenofóbico. Moro em Paris há um ano e meio, e sim, a gente "diferenciada" pode trazer alguma "contribuição" para esse cenário (i.e. algumas alas da população de origem árabe, extremamente machista). Mas não dá para esquecer que eles não votam no Sarkozy porque muitas vezes eles não têm nem o direito de votar. Quem vota no Sarkozy e quem vai para as ruas marchar contra o casamento gay é a direita reacionária católica francesa formada, em boa parte, pelos "parisienses chiques" do 16eme e arredores.
      Não esquecamos que a vitória do Hollande foi extremamente apertada, o que significa que muito dessa "gente" compra o discurso sarkozista de ódio aos imigrantes, aos gays, a tudo o que não for "tradição, família, propriedade".

      No fim, acho que temos um sonho com uma França intelectualizada, livre, que por vezes me pergunto se realmente existiu.

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    2. Caro Alexandre, essa "gente diferente" nem sempre está, ou em qualquer outra parte do mundo, porque quer. Já ouviu falar em êxodo motivado pelas guerras, pela fome, pela falta de água potável que sim, já afeta boa parte do planeta, pela fome imperialista?
      Acredito que boa parte dessa "gente estranha" que "descaracteriza" a França gostaria de poder estar em sua própria pátria, por mais que Paris seja linda e sedutora, ninguém se sente bem se não for considerado "em casa". E a xenofobia é fato. As "reações reacionárias"(sic) não partem dessa "gente". Se há manifestações eventuais (e isso não é nada reacionário)dos subúrbios onde vive aqueles seres "estranhos", é em resposta à xenofobia que parte dos franceses sim, os "parisienses chiques"!

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  4. J'ai lu la traduction de ton commentaire. Tu termines avec une comparaison de l'Allemagne dans les années 20, je trouve que c'est un peu exagéré. A cette époque ce n'était pas un mort, mais plusieurs morts dans chaque manif. Il y avait des quartiers de Berlin, où, si tu n'appartenais pas au bon bord, tu ne t'y risquais pas. On pourrait multiplier les exemples montrant cette différence. En revanche, ce qui est similaire, c'est cette croyance imbécile et totale dans des idées basiques, caricaturales, exemptes de toutes réflexions et de nuances. Ils vivent dans l'esprit magique : je pense donc ça est (et non pas je suis...), je veux et donc on doit me donner... quoi ? 3 ans d'âge émotionnel ? Le problème supplémentaire, c'est que cette manière de réagir (j'ai failli dire penser... mais non.) se retrouve aussi dans les entreprises. Pourquoi ces catastrophes industrielles ? parce qu'il y a des dirigeants qui ne réfléchissent pas. Comme ils sont entourés d'une cours qui leur cire les pompes, toutes les décisions qu'ils prennent sont les bonnes ! Et ça se vérifie à beaucoup de niveaux hiérarchiques.... Que veux-tu, la culture, la réflexion, la pensée n'est plus à la mode, ce qui est à la mode c'est la réaction, c'est de montrer qu'on est le plus fort et qu'on peut flinguer ceux qui ne sont pas d'accord avec soi... résistons ! résistons !

    Muriel Rey

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  5. Muriel

    Une petite réctification: je n'ai pas comparé la France à l'Allemagne...j'ai dit que le CONTEXTE de la France actuelle (chômage galopant, crise économique, pessimisme, haine, etc) RAPPELLE, toutes proportions gardées, celui de l'Allemagne en donnant par là marge à des extrémistes et à la fabrication d'un ennemi imaginaire... C'est d'ailleurs ce que tu exprimes dans tes propres mots: "c'est cette croyance imbécile et totale dans des idées basiques, caricaturales, exemptes de toutes réflexions et de nuances. Ils vivent dans l'esprit magique". C'est exactement ça!

    Je te remercie de ta belle réflexion ainsi que de ta lecture toujours attentionnée du Diário.

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  6. C'est vrai que tu n'as pas parlé de l'Allemagne, c'est moi qui y ait pensé spontanément lorsque tu as parlé des années 1920. J'ai pensé à la république de Weimar, aux affrontements entre communistes avec en tête de file Rosa Luxembourg (si mes souvenirs sont bons) et la montée du nazisme, c'était meurtre et batailles de rue. J'ai commencé à livre un livre sur le sujet "auriez-vous crié heil hitler ?", c'est une somme de 800 pages sur la montée du nazisme, avec une approche historique, sociologique et psychologique (expériences de Milgram), et il est vrai que la situation en Allemagne était beaucoup plus dramatique qu'en France à la même époque, il fallait une brouette de billets pour acheter un pain... évidemment le traité de Versailles n'était pas étranger à cette situation (dommages de guerre exorbitants)... d'où ma spontanéité !...

    Muriel Rey

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  7. Gostei do texto, bem escrito, profundo. Você mora aí, conhece bem. Pessoalmente, acho difícil nós que estamos de fora de uma situação avaliar o que se passa, por exemplo, em relação aos imigrantes, é um problema sério, cultural, religioso, social, econômico. A Europa toda está nesse impasse, o que fazer?

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