23 de setembro de 2013

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Nova-iorquinos: tão diferentes, tão parecidos (Parte 1)




De tudo o que vivemos em New York City, a bem dizer Manhattan, fica a vivência - nossa é claro - de que os nova-iorquinos são muito diferentes da gente e muito parecidos com a gente.

Comecemos pelas diferenças - a que mais nos saltou aos olhos e aos ouvidos. A gente pergunta: - Onde fica a loja tal? A resposta vem preto no branco: 14th com a First.  Isso diz tudo. Nós somos montanhas, ondas, curvas, volteios: fazemos uso de um monte de palavras e gestos para nos situar nas cidades, no mundo, na vida. Nova-iorquinos são objetivos, diretos, retos. Colam um número em duas linhas que se cruzam e pronto, está dada a direção. Right to the point. O mapa de Manhattan é o próprio espelho dessa objetividade: um quadrilátero de coordenadas que vão da direita para a esquerda (Avenida 1, 2, 3 e assim por diante) e de baixo para cima (Rua 1, 2, 3, e assim por diante). Nada de rua com nome de senador, cardeal, doutor fulano de tal. Nem rua Madame, da Roseira, da Velha do Templo, do Gato que Pesca, como em Paris. O quadrilátero é basicamente um jogo de linhas retas e numeradas: qualquer pessoa minimamente antenada é capaz de se localizar em pouquíssimo tempo. Os primeiros dias que passamos em NYC medindo rua - dia, noite, madrugada adentro - foram suficientes para já nos sentirmos em casa.

Por outro lado, essa objetividade tão cômoda na localização urbana e nos terrenos práticos, quando num contato mais pessoal, parece-nos um pouco fria, a interpretamos como indiferença, impessoalidade. A gente gosta de saber, perguntar, se interessa pela cultura do outro, pelas coisas mais banais, o que gosta de fazer, no que trabalha, o que fez durante o dia, por onde andou, se passou bem, Quando temos hóspedes em casa, sobretudo no caso de estrangeiros, a gente se preocupa em agradar, dar dicas de lugares, comidas típicas, coisas da nossa cultura, oferecemos caipirinha, perguntamos varias vezes se estão gostando, se está indo tudo bem. Mesmo sendo um estranho, a gente cria um laço de afeto, e na maioria das vezes, quem chega como simples hóspede, vai embora como amigo. Ou seja, nós não nos limitamos ao terreno da praticidade, nós naturalmente o extrapolamos. 

A experiência que tivemos com nossa housemate em East Village foi o oposto. Em termos de objetividade, a colocatária não deixou nada a desejar, sempre nos atendendo com gentileza e eficiência quando a solicitávamos - mas somente quando a solicitávamos. Essa é a questão para nós - vivemos sempre na expectativa de uma “extrapolação”, de ouvir do outro: e aí, estão gostando? o que fizeram o que hoje? já foram a tal lugar? não deixem de ir! como é o Rio? Como é a vida por lá? Expectativa frustrada: nossa housemate, invariavelmente helpful e sweet conosco, passava a maior parte do tempo fechada no quarto, ouvindo música, vendo televisão ou diante do computador. Em nenhum momento - apesar, repito, de toda sua solicitude - notamos de sua parte um interesse, uma curiosidade mínima que fosse um pouco além do contrato objetivamente acordado, da relação protocolar host-guest. Naturalmente, a expectativa de um contato mais pessoal é NOSSA e se falamos de frustração é, não no sentido de que nossa housemate tivesse a obrigação de satisfazê-la, mas no sentido de que essa frustação é muito reveladora de nós próprios, de nossa maneira de interagir, do olhar que temos sobre o outro. Além disso, revela também uma impressão geral que ficou para nós: os nova-iorquinos fazem uma separação deliberada e nítida entre o que é disponível e o que não é, entre o que eles se dispõem a fazer e o que não se dispõem, entre o objetivo e o subjetivo, entre o “efetivo” e o “afetivo”. Culturalmente, fácil e espontaneamente, e acima de tudo por gosto mesmo, nós misturamos as coisas (sequer chegamos a separá-las) - eles parecem que não. Assim sendo, no último dia de nossa estada em NYC, depois de duas semanas de “convivência”, a primeira pergunta que nossa host nos fez assim que nos encontramos de manhã: what time you leave? No quadrilátero retilíneo de Manhattan, faz todo sentido.

Um comentário:

  1. Preciso seu olhar...a praticidade me pareceu uma forma de ser americana.. Pra mim, brasileira, dada e falante.. foi algo diferente e um tanto paradoxal...
    As mulheres, tema foco das minhas obervações, são como as ruas que você descreveu.. direita esquerda, no máximo um oeste.. solteiras, são assim...casadas se comportam assado.... viúvas ..estas são otimas..ja cumpriram seu papel..saem de conversível e lenço ao vento.....A casa, os filhos, na alimentação , tudo traduz esta forma única de ser, ou isso , ou aquilo..não há o meio termo........ Só se vê caixas nos carrinhos do supermercado..mesmo tendo as frutas e verduras mais lindas do mundo..elas são praticas! "Americanas,Modo de Vida Feliz" saem estampando isso!....Abrem a caixa e está feito o jantar... São minimalistas nas suas vaidades.. primam pelo conforto..mesmo que este conforto seja feio.. horrível, as vezes.
    Nas festas,nas conversas, nos churrascos...tudo rápido.. , pra nós, quase frios..

    Seu olhar se traduz em tudo Claudio.....do idioma, ao endereço, passando pela casa, os filhos.. tudo american way.. ....por outro lado...as vezes é bom...menos tralha pra se pensar..é assim e pronto!

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