22 de dezembro de 2015

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Só sei que chorei



Chorei
Só sei que chorei


Pela língua
Que me faz ver o mundo
E ouvir o silêncio
Quando me deito
Em horas de avesso


Língua dos meus olhos
Língua que me fala ao ouvido
Língua que me beija
Língua que diz
Eu te amo


Amo-te lingua
Amo-te!
Como mortal
Ama a vida
E chora toda morte


Gosto de sentir-te inteira
Sorver-te leitosa
Sorvete gostoso
De língua abusada


Gosto-te
Sem vergonha!


Teus volteios
Molejos
Riachos
Chiados
Cachopas
Em cachos
Nos tachos
De chuva
Teus machos
Fogachos
Teu facho
Meu sol


Gozo-me de luso
Lambuzo-me de fala
Penetro teus vazios
Intento prazeres
Invento saberes
Faço diachos de ti
Que nem mesmo eu sei!


E de que serve saber
Quando a língua dá gosto ao que se vive?


Aliás confesso-te
Das palavras tuas
Gostoso é das
Que mais gosto
Em minha lingua
Enroscada na tua
Gostosa onda
Em minha boca
De tua língua
Lincensiosamente nua


Lingua tua
Minha nossa
Senhora das letras
E sons que se beijam
Ventos gemidos
Nos lábios da madrugada
Fazendo
inho
ninho
morninho


Gostoso beijo de lingua
Que hoje choro nos meus olhos
Como mares atravessados
Que trouxeram-te até a mim


Língua que toca o ouvido
Teso de língua gozada
A derr-amar-se inteira em ti
E contigo deleitar-me todo


Ouça-me amada
Ouça-me


Se beijar-te é abandonar-me ao desejo
O que é beijar-te quando ainda mais
posso ser teu verbo?


Chorei
Só sei que chorei 


Do choro de todos os teus poetas
De tua mais velha infância
De galopes lembranças
Na cacunda do fogo
Choro de língua
De verbo e saudade


Chorei
Só sei que chorei


Claudio Pfeil

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