4 de junho de 2016

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Amar-ações




Nas calçadas deparei-me com ele, o significante. Não é para mim um significante qualquer, mas propriamente aquele pelo qual sou representado, amarrado no mundo. Impossível não atender ao chamado: aquele ali, sou eu, colado no cartaz ambulante. Ele anda, corre pelas ruas, e aonde quer que ele vá, vou com ele. Este "eu" ali, este mesmo, sou eu?

Trapaças do significante.

Juro por tudo que é sagrado que esse que me representa sou eu e no entanto não sou eu. Não mesmo.

A começar por isto: meu trabalho não é rápido, tampouco garantido. Posso dizer que lido com o espírito, mas não sou espírita nem tenho poder nenhum. Mas a bem da verdade devo confessar que mais do que nas amarras impostas pelo significante, fiquei amarrado num dos ítens da extensa lista de Pai Cláudio: "Amarações no Amor". Assim mesmo: amarações.

Amarações no Amor: não seria essa insólita e bela expressão a síntese do trabalho de transfigurar "amarrações neuróticas" em "amar-ações", isto é, ações livres de amar?

Amarações no Amor: transfiguração de Vida em Poesia. Este "eu", ali, amarrado no cartaz, não sou eu e no entanto sou eu para além de mim mesmo. O eu-cartaz continua a ambular na calçada enquanto eu - eu? - dobro a esquina sorrindo.

Claudio Pfeil 


Um comentário:

  1. Sabia, desde quando li o cartaz, sem me atentar para o título que você focaria no amarações, fazendo esse jogo de palavras que você tão bem sabe fazer. Adoro!

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