31 de agosto de 2014

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Marina escreve apaga






24 horas. Menos até. Foi o tempo necessário para a candidata Marina Silva mudar o texto de sua campanha: apagou o trecho que apoiava o casamento homossexual e a criminalização da homofobia. Coincidentemente a mudança ocorreu após ter sido ameaçada no Twitter pelo pastor Silas Malafaia, o qual deu um prazo “até segunda” para que Marina se posicionasse sobre o que ele qualifica como “lixo moral” no programa do PSB. O pastor faz uma ameaça ao escrito de Marina, Marina apaga: curioso, não? Apagou também a menção ao programa de energia nuclear, antes considerado por Marina como um dos pontos "fundamentais" e "vitais para a sociedade do futuro”. O que era vital e fundamental foi apagado do programa? O partido de Marina justificou as mudanças por “erro da editoração”.

Bem, não é de hoje que Marina escreve e apaga. Escrito está que ela é ambientalista, militante verde no passado, defensora do desenvolvimento sustentável, contra o latifúndio. Apagado está - o vice de Marina é Beto Albuquerque, um senhor nada verde: é representante do agronegócio e autor da medida provisória que instituiu os produtos transgênicos no Brasil. Erro da editoração”, de certo.

O escreve e apaga de Marina não termina aí. Escrito está que foi militante do PT por quase três décadas, defendeu prioridade para as políticas sociais e o resgate do papel do Estado diante da centralidade do mercado. Apagado está: a coordenadora de sua campanha é Neca Setúbal, herdeira do Itaú, e seu guru na área econômica é o neoliberal Eduardo Gianneti.Erro da editoração”, de certo. 

Marina escreve apaga, “erro de editoração” na campanha. Para bom entendedor isso tem nome: oportunismo. Hão de dizer: "Ah, política é assim mesmo, todo político é oportunista". Pois bem: estava escrito que Marina é uma nova forma de fazer política, diferente da que a gente está acostumado. Apagado.


PS: A quem interessar, assinalo o texto ENGANO E LAPSO DE MARINA (17/05/2013):

27 de agosto de 2014

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LF

Janela aberta
a traçar no horizonte
interrogações ondas arabescos
e não pontos finais
lineares platitudes
foscas repetições


Casa a acolher o ser
na firmeza do chão
no fulgor do pensar
na maciez do sentir

Silêncio a liberar a palavra alheia
que tão somente e nua
anseia apenas por deixar-se ouvir
e que de graça
- oh, dádiva feliz! –
veste-se de compreensão


Coração gentil
humilde e nobre
a ofertar-nos em cada manhã
a lição de que deuses são terrestres
sublimemente humanos


Guerreiro - falível,
incompleto - perfectível
desencantado - vigilante
sonolento - abundante
engenheiro - esperançoso
artista - preguiçoso
preciso - inexato
sincero até a morte
admirável para além de seu fim


Janela
casa
silêncio
coração


Luis Fernando - eis seu nome
seu encanto
sua busca
sua obra



Para LF Pereira

13 de agosto de 2014

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Sempre fora de "tudo isso"




Uma leitora do Diário, comentando a poesia Homenagem ao Gigante (http://claudiopfeil.blogspot.com.br/2014/08/homenagem-ao-gigante.html), faz a seguinte colocação: “Seu texto é muito lindo, mas tenho minhas dúvidas quanto ao personagem. Será que ele era tudo isso mesmo?”

O questionamento é para lá de oportuno. Pelo menos, no viés analítico. 

O que a leitora chama de “personagem", é o que em psicanálise chamamos de "identificações"; é o nosso cartão de visita, o que somos, ou melhor, o que acreditamos ser e que nos serve de identificação pessoal e social: faço isso ou aquilo, sou assim ou assado, homem ou mulher, nasci em tal lugar, filho de fulano e sicrano, filho adorado ou rejeitado, nome, sobrenome, apelido etc. Assim, por “personagem”, entendemos uma lista de significantes singulares que nos identificam, que constituem o nosso Eu.

A leitora se pergunta: "Será que ele [o personagem] era tudo isso mesmo?". O que está em jogo na dúvida levantada é uma questão velha e fundamental como a própria filosofia, a saber, a da possibilidade (ou não) de adequação entre algo (o ser) e a representação deste algo (ideia do ser). Dos gregos a Kant, não há filósofo que não tenha arrancado os cabelos na tentativa de solucionar a questão. No caso que nos ocupa, podemos reformulá-la assim: será que o ser Robin Williams corresponde à ideia que se faz dele?  

Bem, o que Freud coloca em evidência com a noção de inconsciente, é precisamente o seguinte: nenhum de nós é o que pensa ser, o que reconhecemos como sendo nós mesmos. No lugar de “penso, logo existo” de Descartes, Lacan afirma: “penso onde não sou, logo sou onde não penso". 

Então, respondendo à leitora, eu diria o seguinte: 

Você tem toda a razão, cara leitora, de levantar a lebre: Robin Williams não é “tudo isso mesmo”.  Mas ele não é “tudo isso mesmo” não pelo fato dele ser aquém de “tudo isso”, aquém do gigante ao qual ele é identificado na poesia. Ele não é “tudo isso mesmo” pelo simples fato de que ele mesmo é fora do próprio personagem, “para além” de tudo isso que pensamos ou idealizamos a respeito dele. A gente pensa que sabe, mas na verdade,  não sabe nada do que diz quando afirma “eu sou isso”, “ele é aquilo”: a gente sabe do Eu (próprio e alheio), do personagem, não do que chamamos em psicanálise Sujeito, que é para além do Eu, do personagem. O Sujeito não é onde pensa que é: é mais onde não pensa ser. 

Paul Valéry dizia que “o homem é um ser das lonjuras”.  Isso vale para cada um de nós: somos sempre longe, fora de “tudo isso” que julgamos, acreditamos, idealizamos ser. No mais íntimo de nós, somos sempre estrangeiros a nós mesmos, fora do “Eu”: é o "mistério gigante sem nome" de cada um.

Voou fundo
foi-se o gigante 
sabe-se lá prumos ou porquês 
abismos grotões depressões?
Procurasse talvez o mistério gigante
mistério do homem
gigante sem nome 
- fora do Robin fora do Williams! - 
inominável silêncio
enigma infindo
des-comunal de ser 
assombro
só seu


11 de agosto de 2014

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Homenagem ao Gigante





Não há gigante que não sofra 
da própria fraqueza de existir 
às vezes quieto 
longe dos holofotes 
no escuro 
mas vez alguma 
sem fechar os olhos à dor que lhe arde 
até seus olhos fecharem-se de vez 

Acontece 
coisa de gigante 
cavalgante errante delirante 
do reino de homens todos
Homens gigantes 
nada mais que homens 
mais ou menos gigantes 
homens
gigantes 
todos

Homens são tanto mais gigantes 
gigantes são tanto mais homens 
quanto auscultam em asas de borboleta 
o tamanho de sua insondável dor 

Voou fundo 
foi-se o gigante 
sabe-se lá prumos ou porquês
abismos grotões depressões?
Procurasse talvez o mistério gigante
mistério do homem
gigante sem nome 
- fora do Robin fora do Williams! - 
inominável silêncio
enigma infindo
des-comunal de ser 
assombro
só seu

6 de agosto de 2014

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Reverência máxima




Festejar o tempo
no que ele tem de efêmero
impalpável
precioso
porquanto precioso
por ser efêmero
impalpável
e acima do tudo
por ser nossa única morada
à qual como humildes habitantes de passagem
ofertamos como reverência máxima
a eternidade
e-terna-idade
do nosso coração