30 de julho de 2013

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(T)alento



Henri Matisse, La danse de Paris 1932

Uma criatura se apresenta no Facebook com o seguinte perfil: cantor, compositor, guitarrista, ator, modelo, bailarino, produtor, fotógrafo, videomaker, escritor, militante de Human Rights (assim mesmo, em inglês). 

Nossa! Difícil imaginar uma criatura dessas de bobeira, indo tomar um sorvete na esquina, pedalando na praia, olhando o mar, dando uma cochilada depois do almoço. Já imaginou o(s) celular(es) tocando sem parar? Os emails a responder, Twitter, Facebook, sei lá mais o quê? Confesso também que “militante de Human Rights” me soou estranhamente: vão dizer que se fosse Droits de l’Homme me cairia melhor. Enfim, são detalhes. Não duvido nem contesto tantos talentos num ser só, pelo contrário, admiro tamanha versatilidade. Aposto até que ele deva ter mais alguns e que, muito provavelmente por modéstia ou distração, os deixou de fora da lista. Mas um, com certeza - a julgar o espetacular elenco de profissões em cena - ele tem: potencializador de tempo. 

Fico porém pensando numa coisa. Não deve ser nada fácil transbordar talento assim. Já imaginou? No mínimo entrave, preguiça ou hesitação da criatura, o pelotão de identificações profissionais a tamborilar a cabeça: Tá-lento! Tá-lento! Tá-lento! 

Menos talvez seja mais. Desprender-se no nada, no vazio, no transitório. Menos exposição, imposição, mais respiração, inspiração, vento. Amar profundamente o silêncio, tornar-se leve de ruídos, palavras, até mesmo gestos. Presença sem pressa, plena de olhos, da cor da chuva, da madrugada. Fôlego, sopro, cheiro do afago: alento. 

Isto: alento é (t)alento. Talento de alentar, (t)alento de viver. 
Quero aprender essa profissão. E se tiver que exercer uma, verdadeiramente, que seja a única. 



28 de julho de 2013

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Jesus Hipervitaminado





DOMINGO, 5h30 da manhã.
Acordei com os jovens da Jornada cantando em coro e batendo palmas no maior auê papal.
Detalhe: eles estavam DENTRO do metrô, muitos e muitos palmos abaixo da terra.

EI EI EI JESUS É NOSSO REI!
EI EI EI JESUS É NOSSO REI!
(E clap clap clap!)

Jesus, que energia!
Esse "kit peregrino" é hipervitaminado, só pode!
Madonna, fica a dica!
Like a Prayer...

26 de julho de 2013

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A distân(s-i)a de cada um





Uma amiga de infância, leitora assídua do Diário, escreveu indignada. 

“Acho engraçado, diz ela, as pessoas que escrevem aqui - Não sou católico mas admiro muito o Papa Francisco - quase pedindo desculpas, como se fosse uma deferência, um favor. Será que é preciso ser budista para admirar o Dali Lama, Hindu pra admirar Gandhi? Espírita para gostar do Chico Xavier? Fluminense para admirar um gol bonito do Fred?"

Colocação muito interessante. A primeira coisa que me veio à cabeça foi o seguinte:
"Não sou católico mas admiro muito o Papa Francisco". Leia-se: ao mirar, ad-mirar o que não pertence a mim, não estou deixando de ser EU não, viu? 

Crença na identidade, pura ilusão. Como se apartar-se do outro, excluir, dividir fosse a garantia de ser. Apartar-SER. Excluir-SER. Dividir-SER. 

Ora, SER não é justamente a própria miragem de pertencer a si, de ser si mesmo, provocada pela divisão que já SO/MOS e que nos coloca sempre a distância de S/I? Ser não é uma relação de distância em relação ao outro. Ser é a imagem às avessas da distância em relação a si, da distân(s-i)a inerente a cada um.

25 de julho de 2013

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Papa(do) imprevisível?






Praia de Copacabana, há pouco. A multidão embandeirada numa empolgação inédita, sob chuva fina, chegando de todos os lados para ver o Papa. Perguntei para um bombeiro:

- A que horas o Papa vai passar?

- A missa  está marcada para às 18h... Mas ele chega primeiro no Forte Copacabana, pega o Papamóvel e depois percorre toda a avenida  Atlântica até o palco no Leme - disse apontando o trajeto para a pista.
- Não tem previsão da hora?

O bombeiro sorriu:

- Pô... previsão? Tem não... Ele anda quebrando todos os protocolos...esse Papa é imprevisível!
Agradeci e fui embora pensando nas palavras do bombeiro: "Esse Papa é imprevisível."

Papa do abalo, não sei. 
Do embalo, é fato. 
Do imprevisível, será mesmo? 

Papa do imprevisível. 
Papa(do) imprevisível.

Foi o bombeiro quem falou: ele sabe bem o que é fogo. E a gente sabe das labaredas de que o Vaticano é capaz. O Papa ontem em Aparecida pediu com jeitinho: “rezem por mim, rezem por mim”...

Não seja por isso Francisco: por falta de (c)oração, pelo menos no Brasil, você não morre.



24 de julho de 2013

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Sem "olhai por nós"






Mais forte do que a chuva, o frio, a neve, o vento, a Jornada da Juventude, o Papa: o gozo. Realmente não dá trégua. Entra estação, sai estação, ele ali, intrépido, imperativo, hiperativo.

Criaturas passam o ano inteiro reclamando do "calor infernal" carioca. Amaldiçoam-no, clamam socorro!, praguejam contra os trópicos, o sol escaldante, invejam os nórdicos, idolatram o paraíso alpino: ah, isto sim é viver! Daí chega o inverno - inverno, ouviram? - e como que cedendo aos queixumes sudorosos, o termômetro baixa, radicaliza, resolve dar a louca, desaba, vai até menos zero. 

Mas cadê que o gozo baixa? Que nada! Ele vem sempre mais, e mais, e mais... 
Gozo é excesso, abscesso, obsesso, não há temperatura nem queixa que deem conta: gozar é coisa do além...
 
E lá (re)desaguam as criaturas a gozar numa intempérie sem fim, não do guarda-chuva, do cobertor, do pulôver, da luva e do gorro ao alcance da mão, e sim da queixa gozosa, esta, cuja satisfação é fora de alcance. E sem redenção: não tem “olhai por nós”. 

A propósito, para que serve mesmo uma análise?