23 de setembro de 2014

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Adora-dor de palavras




Sem palavras
Cem palavras
Mil
Milhares
Milhões
Todas as letras
Sonhadas
Inventadas
Amadas

Que venham todas
Movam, removam, revolvam
Céus, terras, oceanos
Corram todas!

Extasiem-se em leitos sujos
À sombra dos abacateiros
Divã com meias de seda
Motel barato, luz de neon

Embriaguem-se de luxúria
Penetrem-se todas
Comam-se, bebam-se
Chupem-se esgoto adentro
Corpos, buracos, guetos
Homens, fardas, prostitutas
A corja toda madrugada afora
Amantes da primeira ou derradeira hora

Faça-os gozar
Botar as tripas para fora
Faça-os ir aonde o dever não quer
Mas aonde o desejo está sempre a atrair
A trair

Amem
Riam
Chorem
Finjam
Gritem
Batam
Mintam
Neguem
Mordam
Firam
Sangrem
Matem

De ódio, vingança, ciúme
Vileza, loucura, solidão
Inveja, perversão, covardia
A porra toda

Incendeiem, palavras, incendeiem!
Incendeiem, estão a me ouvir?
Incendeiem, porra, incendeiem!
A porra toda do tesão!

Mas que porra é essa!
O fazedor de estorias desertou dormindo?
Apagou-se na calada da noite?
Parece até coisa das suas
Escrito em algum lugar
Ejaculação precoce
Não pode ser
Mas é

Silêncio
Vazio da alma

Acudam palavras
Acudam!
Não morram
Por favor
Não morram!

Se morrer é destino certo
Até do mais nobre homem
Ignóbil fado seria
Morrer na ausência de quem por vocês viveu
E as fez durar e dourar feito estrelas
Com a paixão do universo só seu
Adorando-as em cada leito
Na volúpia e dor do leitor

Adorador de palavras
Adora-dor de palavras
Adoração e dor
Eis que o coração escreve


Ao adora-dor de palavras Alex Azevedo Dias
a admiração e homenagem do Diário de um analisando em Paris
 
1

Rosas de Saint-Eustache

Saint-Eustache, Paris

Linda lua
menos cheia
por entre nuvens
noite de vento

Meia-noite quase
Tilintar de talheres
garçons limpando as mesas
tudo se esvaziando à sombra dos lampiões

Saint-Eustache ali
solitária, imponente, grandiosa
Ela, só ela
Como se nada mais houvesse

Passo de bicicleta
vejo as rosas no canteiro
Aquelas
As belas

 Não tão belas como d’antes
primavera já não é
um pouco desfeitas, desbotadas
mas belas, sempre, como nunca deixarão de ser  

Pois rosas, estas, são rosas do meu amor
profundo perfume
profundo encanto
profundo desejo
profundo amor

A elas destino-me
delas me alegro
nelas me sinto
com elas sou 

Saint-Eustache tem aos pés
a razão em flor do meu viver
Ela, só ela

Por isso passo
volteio, pedalo
passo, repasso
jamais me esqueço

De reverência secreta
é feito meu caminho de rosas:
amor, eis-me aqui!
E vivo, respiro a noite
e amo, tanto!