|
Museu do Amanhã, RJ: dia seguinte à sua inauguração (foto Marcio Almeida) |
No Brasil, a Política está para a Família, como a Cultura para o
entretenimento. Mesma promiscuidade. Mesma hipocrisia. É preciso separar
as coisas, ter a coragem e a lucidez de reconhecer a especificidade de
cada uma, sob o risco de desmerecer e depauperar uma e outra.
Política não é família, parentela, irmandade, camaradagem.
Cultura não é entretenimento, lazer, distração, passatempo.
Cultura no Brasil é sinônimo de show de música, show na praia, banda,
palco montado, espetáculo, fogos de artifício. Um belo dia, inaugura-se
um museu – fato memorável não só Brasil, como na cidade maravilhosa,
“terra do samba da mulata e do futebol”: um museu? Ohhhhh! Em toda minha
vida eu só vi dois museus serem inaugurados aqui.
O Museu é de
fazer cair o queixo de tão lindo, as linhas falam, evocam, inspiram,
elevam, enfim, abrem-nos as portas e a imaginação do futuro. Foram
quatro anos de construção, caos no trânsito e bate-boca acalorado entre
detratores e defensores de todo um projeto de revitalização “cultural”
da cidade. O projeto é arrojadíssimo, assinado por um dos mais
talentosos arquitetos contemporâneos (Santiago Calatrava), e tem nome e vocação promissores –
“Museu do Amanhã”, espaço dedicado à ciência criado para pensar o
futuro. Finalmente pronto, hora de cortar a faixa. Nesse instante tão
raro e significativo, que fato chama-me a atenção?
O Museu por si
mesmo parece não bastar: é preciso show, armar o palco, fazer o “viradão
carioca” madrugada afora, bem no meio do espaço público frente ao
Museu, ambos recém-nascidos. A pergunta que me faço: qual a necessidade
de se fazer um show no dia da inauguração de uma preciosidade dessas? A
menos que a mensagem seja esta: Cultura não basta para atrair as
pessoas, tem que ter algo mais para alegrar, divertir, agitar a galera –
leia-se: entretenimento. E a triste constatação na manhã do dia
seguinte, tanto mais para um Museu que convida a refletir sobre o futuro
com base no impacto das ações humanas no planeta: a praça do Museu, uma
lata de lixo só. Dane-se! - de que servem lixeiros, não é mesmo?
Nada contra shows, entretenimento, não se trata disso. A questão é
outra, bem outra, a qual resumo nos seguintes termos: o que será do
AMANHÃ com um HOJE sem educação? O Brasil tem camaradagem e divertimento
de sobra: somos um País jovem, solar, alegre, bem-humorado, musical,
sensual, País do bate-papo, boteco, futebol. O que falta são
ações que vão até a raiz do ser humano e o possibilitem interpretar o
mundo e responsabilizar-se por ele. Lygia Fagundes Telles disse uma vez:
'Sabendo interpretar o que lê, o estudante organiza as ideias e produz
bom texto. O resto é conversa, falsa teoria'. Eis alguém com coragem e
lucidez.
Ser capaz de interpretar e produzir o bom, o bem. Esse é
o sentido de cidadania, que nada mais é do que uma política da cultura e
uma cultura da política. Ou simplesmente isto: agir segundo fins e
valores que façam brotar uma certa ideia daquilo que o homem é capaz de
fazer de melhor.
O resto, como diz a nobre escritora, é conversa, falsa teoria.
Claudio Pfeil