O jornal O Globo publicou em
10/12/2012, “O humanista que amava Stalin”, do economista Rodrigo Constantino:
http://moglobo.globo.com/integra.asp?txtUrl=%2Fopiniao%2Fo-humanista-que-amava-stalin-6998686
Não conheço o autor, acho
até que poucos o conhecem. Já Niemeyer, bem, Darcy Ribeiro dizia que será
o único brasileiro lembrado daqui a milênios: fato é que o mundo inteiro não só
o reverencia como ainda chora por ele. É acerca do milenar Niemeyer que Rodrigo
Constantino afirma sem pestanejar que “virou um ícone contra o excesso de
razão nas construções, mas acabou com extrema escassez de razão em suas ideias
políticas. Sempre esteve do lado errado, alimentado por um antiamericanismo
patológico.” Não vou entrar em polêmicas, isso não me interessa, mas
confesso que essa topologia “certo X errado” me preocupa muito. A Inquisição
está aí para mostrar aonde isso pode nos levar. Sinto-me portanto convocado a
expressar o sentimento de um brasileiro comum, quase-arquiteto, e filósofo.
Até onde eu sei, Niemeyer é
um esteta do traço, não da politicagem, nunca teve pretensões de Estadista,
tampouco exerceu cargo executivo ou partidário. Suas convicções ideológicas -
as quais, diga-se de passagem, sempre assumiu às claras sem proselitismo nenhum
- não acrescentam nem retiram nada de seu gênio. Niemeyer é o que é.
A meu ver, é um equívoco
tosco tentar redimensionar a dimensão criadora de um artista ou pensador em
função de suas convicções ideológicas, estas sempre encarnadas num determinado
momento histórico. Não sou a favor de se negar, falsificar ou trapacear fatos
da história de cada um. Sem dúvida, é fundamental conhecer o contexto, as
ideias, as tomadas de posição individuais. Mas forçar a barra, como faz Rodrigo
Constantino, é desonesto. Ainda que Niemeyer carregasse nas costas o fardo das
atrocidades que o economista lhe imputa num rasgado rancor anti-comunista, valeria acima
de tudo um questionamento: Niemeyer teria ainda mais valor se não fosse
comunista? Sein und Zeit, de Heidegger, que marcou profundamente os
principais sistemas de pensamento do século XX, torna-se menos genial quando se
alega que o mesmo Heidegger era partidário do Nationalsozialismus? Teríamos
que jogar Sartre e o Existencialismo - sua inigualável produção literária,
teatral, filosófica, ensaística, sem falar no papel revolucionário que teve na
sociedade - na lata do lixo, em nome de algumas de suas “escolhas fracassadas”
e dos desmentidos da História? Nessa hora, a prudência é a melhor companheira.
A cada um, seu esforço de reflexão e sua resposta.
Rodrigo Constantino parece
já ter a sua prontinha no armário, bem ao estilo prêt-à-porter, e com
ares de quem inventa a roda, não faz mais do bradar aos quatro cantos clichês e
chavões patéticos. Ah, se no mínimo o fizesse com algum traço de
arte ou leveza, coisas que Constantino poderia ter aprendido com Niemeyer.
Mas não: o texto é pobre, enfadonho, tendencioso, superficial e, o que é
realmente grave, de um sensacionalismo insidioso e oportunista. Frases do
tipo: “No Brasil, você pode ser podre de rico, viver no maior conforto de
frente para o mar, mamar nas tetas do governo, desde que adote a retórica
socialista. Falar em justiça social enquanto enche o bolso de dinheiro público,
isso merece aplausos por aqui. (...) Ele admirava os tiranos assassinos Fidel
Castro e Stalin, e chegou a justificar seus fuzilamentos. Até o fim de sua
longa vida, usou sua fama para disseminar essa utopia perversa, envenenando a
cabeça de jovens enquanto desfrutava do conforto capitalista.” Niemeyer
mamando nas tetas do governo? Enchendo o bolso de dinheiro público? Admirando
tiranos assassinos? Justificando fuzilamentos? Envenenando a cabeça de jovens?
O resto se encadeia no mesmo
registro: está lá no jornal para quem se interessar. E conclui assim: “Por
fim, espero que Niemeyer chame logo seu camarada Fidel Castro para um bate-papo
onde ele estiver, e que lá seja tão paradisíaco como Cuba é para os cubanos
comuns. Talvez isso o faça finalmente mudar de ideologia”. Pelo
visto,
Constantino é chegado a uma pândega, razão a mais para se lamentar que
não
tenha herdado outra lição do gênio arquiteto: elegância e bom gosto. Ao
terminar de lê-lo, fica mais do que explícito seu real propósito, o de
nos
convencer de que o capitalismo é o melhor dos mundos e que todos os
esquerdistas, socialistas e comunistas, digam o que disserem, pensem o
que
pensarem, no fundo são uns hipócritas que se disfarçam de humanistas e
querem
mais é se aproveitar dessa maravilha que é o capital. Além disso, fica
evidente o sofisma do economista, o mesmo que consistiria em julgar, mutadis mutandis, Pierre e Marie Curie um
par maquiavélico de facínoras já que, por força do gênio dos dois, Hiroshima
foi possível.
Raso, muito raso, Rodrigo
Constantino. E pior, perigoso, uma vez que, falaciosamente, cinde a moral em
certo e errado, transformando-a em moralismo. Trata-se, isto sim, de um
tremendo moralista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário