No
último dia de Paralimpíada, o Rio se despede do jeito que é o seu:
colorido, alegre, ensolarado. Praia cheia, banho de mar gelado,
biscoito GLOBO, mate Leão, caipirinha, samba, festa na areia e no
calçadão.
A cidade nunca esteve tão confiante e prosa de si mesma: depois da Olimpíada, sucesso absoluto que encantou e surpreendeu o País e o mundo, a Paralimpíada surpreendeu ainda mais, e em muitos aspectos, superou a antecessora.
No meu tempo de colégio, havia uma expressão para designar aquele que não era bom de bola, e que portanto, não fazia muito diferença se estivesse tanto num time como no outro: "café-com-leite". Era o meu caso.
Não sei se ainda se usa a expressão, como também não faço ideia do meu passe futebolístico atual: faz tempo que não chuto uma bola. O que eu sei é que “café-com-leite” não me deixou indiferente ao esporte, pelo contrário: gosto de correr, malhar, nadar, fazer trilhas. E, diga-se de passagem, adoro café com leite. Lacan nos chama a atenção para a preponderância dos significantes em nossa vida, mas a gente nunca sabe o peso exato que eles têm. No caso em questão, “ser café-com-leite” talvez tenha tido para mim, ao invés do sabor impeditivo, um sabor desportivo. O divã, quem sabe, possa confirmar esse chute.
Pois bem. Se relembro essa expressão, é pela seguinte razão: até a Rio 2016, Paralimpíada para mim era "café-com-leite". Não fazia diferença, passava em branco. Olimpíada sim, era algo notável, coisa de gente excepcionalmente forte e capaz, atletas perfeitos que disputavam quais dentre eles eram os MAIS. O MAIS-MAIS-MAIS era Ouro, o MAIS-MAIS, prata, e o MAIS, bronze. A todos os outros, considerados a sobra do MAIS, passar bem: daqui a 4 anos tem disputa de novo.
Hoje
foi a vez da Maratona, última competição, na orla de Copacabana:
42 quilômetros. Mais uma vez transcendi, nos limites do meu próprio
corpo, a fronteira entre corpos considerados "normais" e
fora da norma. Uma senhora que assistia a meu lado, ao ver os atletas
sem perna correndo, fez cara de sofrida e virou-se para mim
balançando a cabeça: "ah, meu Deus, coitados, né?". Já
eu estava pensando que com minhas duas pernas não consigo fazer o
que eles fazem, eles fazem MAIS do que eu. Não são café-com-leite:
café-com-leite sou eu. Foi o que respondi a ela. Não sei se
entendeu. Importa é que eu entendi.
Quem com menos faz mais, é menos ou mais do que quem com mais faz menos? Essa é questão que, por assim dizer, resume toda a avalanche de sensações que experimentei durante o Paralímpico Rio 2016.
Hoje o Rio se despede da Paralimpíada. Após o encerramento no Maracanã, os atletas irão embora, o público também. E eu? Eu prossigo renascido a mim mesmo, nem MAIS nem MENOS: uma movência corporal sem nome que hoje arde ao sol de Copacabana, e amanhã, quem sabe, ao sol do país do sol nascente.
A cidade nunca esteve tão confiante e prosa de si mesma: depois da Olimpíada, sucesso absoluto que encantou e surpreendeu o País e o mundo, a Paralimpíada surpreendeu ainda mais, e em muitos aspectos, superou a antecessora.
No meu tempo de colégio, havia uma expressão para designar aquele que não era bom de bola, e que portanto, não fazia muito diferença se estivesse tanto num time como no outro: "café-com-leite". Era o meu caso.
Não sei se ainda se usa a expressão, como também não faço ideia do meu passe futebolístico atual: faz tempo que não chuto uma bola. O que eu sei é que “café-com-leite” não me deixou indiferente ao esporte, pelo contrário: gosto de correr, malhar, nadar, fazer trilhas. E, diga-se de passagem, adoro café com leite. Lacan nos chama a atenção para a preponderância dos significantes em nossa vida, mas a gente nunca sabe o peso exato que eles têm. No caso em questão, “ser café-com-leite” talvez tenha tido para mim, ao invés do sabor impeditivo, um sabor desportivo. O divã, quem sabe, possa confirmar esse chute.
Pois bem. Se relembro essa expressão, é pela seguinte razão: até a Rio 2016, Paralimpíada para mim era "café-com-leite". Não fazia diferença, passava em branco. Olimpíada sim, era algo notável, coisa de gente excepcionalmente forte e capaz, atletas perfeitos que disputavam quais dentre eles eram os MAIS. O MAIS-MAIS-MAIS era Ouro, o MAIS-MAIS, prata, e o MAIS, bronze. A todos os outros, considerados a sobra do MAIS, passar bem: daqui a 4 anos tem disputa de novo.
Mas
entre uma Olimpíada e outra, eu ouvia falar de Paraolimpíada. Se
escrevia com “o”. Confesso que não tinha a mínima ideia do que
realmente era. Aliás, tinha sim. A gente sempre tem uma ideia quando
diz não ter a mínima ideia das coisas: isso se chama preconceito.
Assim, a ideia que eu tinha quando eu dizia que “não tinha a
mínima ideia” é esta: um evento para quem não é MAIS, nem sobra
do MAIS, mas sim, para quem é MENOS. E por que se interessar pelo
MENOS quando se tem o MAIS?
Para
mim, isso remetia a outro nome: caridade. Isso mesmo: caridade. Na
minha cegueira irrefletida - “na ideia que eu tinha quando dizia
não ter a mínima ideia” - Paralimpíada era uma espécie de
evento caritativo. “Ah, os coitados, têm algum problema,
disfunção, falta membro, visão: não são normais. Se quem é
normal pode ser café-com-leite como eu, imagina quem é fora de
norma. Que tal praticar uma boa ação para os ultra-cafés-com-leite,
organizando uma brincadeira entre eles, à margem dos atletas
olímpicos, "em paralelo", uma competição paraolímpica?".
Quanta ignorância.
E hipocrisia: a Paralimpíada aparecia ante meus olhos como uma generosa concessão da normalidade para fora de si mesma. Coitados, ultra-cafés-com-leite merecem brincar também, não é mesmo? Faz bem à alma – deles, e sobretudo, nossa. Claro, tudo isso era irrefletido, mas não menos uma ideia que eu tinha quando eu pensava não ter a mínima ideia de Paralimpíada. Até chegar o Paralímpico Rio 2016 e ser corporalmente atravessado por ele.
E hipocrisia: a Paralimpíada aparecia ante meus olhos como uma generosa concessão da normalidade para fora de si mesma. Coitados, ultra-cafés-com-leite merecem brincar também, não é mesmo? Faz bem à alma – deles, e sobretudo, nossa. Claro, tudo isso era irrefletido, mas não menos uma ideia que eu tinha quando eu pensava não ter a mínima ideia de Paralimpíada. Até chegar o Paralímpico Rio 2016 e ser corporalmente atravessado por ele.
Quem com menos faz mais, é menos ou mais do que quem com mais faz menos? Essa é questão que, por assim dizer, resume toda a avalanche de sensações que experimentei durante o Paralímpico Rio 2016.
Hoje o Rio se despede da Paralimpíada. Após o encerramento no Maracanã, os atletas irão embora, o público também. E eu? Eu prossigo renascido a mim mesmo, nem MAIS nem MENOS: uma movência corporal sem nome que hoje arde ao sol de Copacabana, e amanhã, quem sabe, ao sol do país do sol nascente.
Claudio
Pfeil
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Claudio Pfeil, Copacabana, Maratona RIO 2016 |
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