Claudio Pfeil, "Prótese de prata", Engenhão, Rio de Janeiro |
Olhei
para o alto, nuvens chumbo em movimento. A curvatura metálica do
Engenhão com seus holofotes acesos formava uma imensa prótese
prateada reluzindo no céu. Senti algo desestabilizador, misto de
equilíbrio e desordem, vertigem e contentamento, uma espécie de
impulsão inexprimível que me fazia experimentar a mim mesmo naquele
exato instante, como diferente daquele que entrara no estádio poucas
horas atrás. O que se passava comigo? Difícil palavrar o que passa,
mas tudo que passa enseja a palavra, ainda que incompleta e
precariamente dita.
Só sei que à vista daquela imensa prótese prateada no céu, experimentei-me eu mesmo como mais e menos, eficiente e deficiente, capaz e incapaz. Um fluxo, um universo mutante e instável como as nuvens chumbo se fundindo e convertendo umas nas outras. Eu era a própria eficiência nos limites da sua deficiência, a capacidade limitada ante a deficiência capaz. Isso me bastou para que eu transcendesse, nos limites do meu próprio corpo, a fronteira entre corpos considerados "normais" e "a-normais", fora da norma.
Não adianta saber, é preciso viver. Foi preciso vir aqui no Engenhão para viver o que eu já sabia, mas que por não ter vivido, não tinha corpo. No dia dia, geralmente vemos pessoas deficientes como menos capazes, alguém que faz menos do que a gente faz. São pessoas marcadas pelo déficit. Na Paralimpíada, esse conceito é invertido. As pessoas que costumamos ver como deficitárias fazem aquilo que nós não somos capazes de fazer, elas fazem mais do que nós. Nosso olhar se converte do menos ao mais, do deficiente ao excedente, do impotente ao excelente, do déficit ao superavit. Os deficientes somos nós.
Foi preciso vir uma, duas, e virei tantas vezes for possível para viver esse meu “novo corpo”. Quando a gente se sente MAIS ou MENOS já não está tão somente no registro do corpo, mas do simbólico. A prótese é a marca da deficiência como a linguagem é a marca da falta. Assistir a esses corpos olímpicos com suas próteses e deficiências - corpos que lançam, saltam, correm, transpiram, competem, festejam, saltitam, choram -, corpos que fazem justamente aquilo que meu corpo NÃO É CAPAZ DE FAZER, fez-me descobrir como um corpo deficiente, corpo significantizado.
É isso: no Engenhão eu descobri um corpo, um corpo deficiente, faltante, e por isso mesmo, um corpo capaz de criar, de produzir movimentos com arte, talento, velocidade, eficiência, engenhosidade. Engenhão, não poderia ter apelido mais apropriado. Foi aqui que eu me dei o privilégio de engenhar uma prótese alavancadora, alavancadora de desejo, de me projetar rumo a meus engenhos impossíveis, e quem sabe até concretizá-los.
Só sei que à vista daquela imensa prótese prateada no céu, experimentei-me eu mesmo como mais e menos, eficiente e deficiente, capaz e incapaz. Um fluxo, um universo mutante e instável como as nuvens chumbo se fundindo e convertendo umas nas outras. Eu era a própria eficiência nos limites da sua deficiência, a capacidade limitada ante a deficiência capaz. Isso me bastou para que eu transcendesse, nos limites do meu próprio corpo, a fronteira entre corpos considerados "normais" e "a-normais", fora da norma.
Não adianta saber, é preciso viver. Foi preciso vir aqui no Engenhão para viver o que eu já sabia, mas que por não ter vivido, não tinha corpo. No dia dia, geralmente vemos pessoas deficientes como menos capazes, alguém que faz menos do que a gente faz. São pessoas marcadas pelo déficit. Na Paralimpíada, esse conceito é invertido. As pessoas que costumamos ver como deficitárias fazem aquilo que nós não somos capazes de fazer, elas fazem mais do que nós. Nosso olhar se converte do menos ao mais, do deficiente ao excedente, do impotente ao excelente, do déficit ao superavit. Os deficientes somos nós.
Foi preciso vir uma, duas, e virei tantas vezes for possível para viver esse meu “novo corpo”. Quando a gente se sente MAIS ou MENOS já não está tão somente no registro do corpo, mas do simbólico. A prótese é a marca da deficiência como a linguagem é a marca da falta. Assistir a esses corpos olímpicos com suas próteses e deficiências - corpos que lançam, saltam, correm, transpiram, competem, festejam, saltitam, choram -, corpos que fazem justamente aquilo que meu corpo NÃO É CAPAZ DE FAZER, fez-me descobrir como um corpo deficiente, corpo significantizado.
É isso: no Engenhão eu descobri um corpo, um corpo deficiente, faltante, e por isso mesmo, um corpo capaz de criar, de produzir movimentos com arte, talento, velocidade, eficiência, engenhosidade. Engenhão, não poderia ter apelido mais apropriado. Foi aqui que eu me dei o privilégio de engenhar uma prótese alavancadora, alavancadora de desejo, de me projetar rumo a meus engenhos impossíveis, e quem sabe até concretizá-los.
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