Confesso
que sempre o achei bonito. Doce e saboroso também. Mas não a ponto de
preferi-lo a outros integrantes da fruteira: manga, abacaxi, abacate,
tangerina, laranja. Desde minha infância lembro-me dele à mesa, meus pais
fazendo-lhe elogios, enaltecendo suas virtudes. Acho que fiquei com a ideia de
que ele era mais para o gosto dos adultos que das crianças. Às vezes o tinha
nas mãos, sem muita alegria ou convicção, mordia-o, achava bom – bom? – bem, sem
muita exaltação. Parecia meio sem graça, o sabor muito aquém da cor, mais para
se ver do que para se comer. Sem falar na viscosidade esquisita, os dedos
lambuzados de mais para um prazer de menos. Anos a fio o desdenhei, fiz pouco
caso dele, o preteri, sem muita consciência de fazê-lo. Simplesmente vivi com
ele deixando-o para lá: o conheci desconhecendo-o, o avistei sem vê-lo, o
provei sem descobri-lo. E mais do que isso: sem saber o que eu estava perdendo.
Tão frequentemente humano, não?
Mas
sempre é hora de despertar para a extraordinária novidade daquilo que pensamos
conhecer bem e que, na verdade, não conhecemos. Foi o que aconteceu comigo. A
cor, sempre a vibrar. Eu já deveria ter atinado: cores não vibram à toa. Macio
no toque, a pele muito fina, delicada como seda oriental. Amadurece rápido, tão
rápido, que de um dia para o outro, se abre no simples apertar de dedos e
desmancha-se na língua como um pudim. E que fineza de sabor! - sutil como flor.
Só poderia ter vindo do Oriente.
Seu
nome, que origem tem? Não sabia, soube hoje. Em Portugal, chamam-no de dióspiro
(diospyros), do grego dióspuron que significa "alimento de
Zeus". É a fruta que Ulisses comeu na Odisséia e que o fez esquecer tudo. Entre
nós, cá, aqui: caqui, do japonês kaki. Dióspiro ou caqui, é realmente
dos deuses. Não é à toa que levei tanto tempo para finalmente descobri-lo:
chegar ao paladar do Olimpo requer aprendizagem, longa maturação dos sentidos.
Seja
como for, agora é (minh)a hora e (minh)a vez do caqui, não tenho mais um segundo
sequer de sabor a perder: A vida é feita para a gente se lambuzar: a
viscosidade do caqui é promessa. Bora fazer uma kakipirinha?
Claudio Pfeil
Claudio Pfeil
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