Quem espera ver Tarantino metendo chumbo numa apuradíssima estética de comercial de Marlboro, não se decepciona: em Django Unchained, o sangue jorra aos borbotões em planos e imagens espetacularmente arquitetados.
Mas Tarantino não seria Tarantino se ficasse só aí. Ele usa e abusa da perversidade humana num acabamento tão refinado e lírico, ao mesmo tempo hilariante e patético, que a gente fica na fronteira de saber se o que está finalmente em jogo na mente e na lente de Tarantino, para além da história horrenda dos crimes raciais nos Estados Unidos, não é o próprio retrato da insanidade, da human-insana-idade. O que perturba e nos violenta em Django não é a brutalidade americana no século XIX, no pré-Guerra Civil: o que perturba e nos violenta é a insana atualidade da brutalidade. Mundo cão de ontem, de hoje. De sempre? Admirável Django-mundo-novo. É de arrepiar.
Como o é Jamie Foxx, o esteta Django, misto do protótipo do cowboy justiceiro e Orfeu Negro em busca de sua Eurídice-Broomhilde, que num estonteante show de prestidigitação no gatilho, consegue ser ainda mais fabuloso no brilho do olhar, captado magistralmente por Tarantino, sempre a fazer irromper no sangrento fluxo de insanidade humana um lampejo inacorrentável de afeto e amor, ao som de baladas românticas, e a voz de Django como um espectro da alma sonhadora a reconfortar sua amada: não tenha medo, sou eu meu amor. Só o amor nos salva da human-insana-idade? Fica a pergunta. E o meu aplauso para um time de atores magistral, do qual Leonardo DiCaprio faz parte e com quem, confesso, devo me redimir.
Tarantino unchained: não se deixa acorrentar pelos clichês que ele próprio constrói. Django para além do bem e do mal. Um grande momento de reflexão. E um alerta: entre o cérebro e a dinamite, podemos todos ser vítima e algoz.
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