A novata do caixa não sabia
o preço do quilo. Pegou um punhado e fez sinal para a colega. Devia ser novata
também, não sabia, aconselhou-a: consulta no sistema.
A moça teve um ar de
desamparo, mas seguiu em frente. Teclou o J, o olhar parado na tela. Um
instante, dois... permaneceu imóvel, silenciosa. Apagou, teclou de novo o J,
depois o I. Parou mais longamente. Nada. Refez o JI, nadinha. Apagou de novo.
Disse-lhe: é
"gê". A moça recomeçou: teclou o
J, depois o E, JE, "jê". Nada. Insisti: "gê" de
"guê”, não “jê” de jota. Ela apagou tudo. Pareceu
confusa. Até eu fiquei. Silêncio lento, olhos atentos à tela, os seus e os
meus. Recomeçou, teclou o G, depois o I, GI. Fez "gi" não
"gê". Eu já ia falar, quando apagou tudo de novo. E agora? Teclou bem
devagar o G, depois o E, olhou para a tela - setinha pra baixo...desceu, foi
descendo, descendo... até parar: gengibre. Pareceu aliviada, eu também.
Ela sorriu numa amarelice
crua, indefesa, desavergonhada. Olhou para mim e disse: eu estava raciocinando
como jiló...
Gê de jiló, jê de gengibre.
Gê e jê.
Lógica ilójica.
A moça tem é razão: lógica de jiló.
Se a lógica não dá conta
do jiló, o que dirá do desejo.
Muito bom! Realmente, se há algo que foge totalmente à lógica é o desejo, este nos deixa tão perplexos, confusos e indefesos tal como a moça do caixa.
ResponderExcluirSeu comentário acerca de algo corriqueiro, protagonizado por um caixa de supermercado, com conexão psicanalítica, é extremamente ilustrativo e prazeroso de ler. Como diz a leitora Ana Cristina,o desejo nos deixa tão perplexos, que ficamos com cara de jiló ou "giló". Muito bom.
ResponderExcluirHélio Araújo
Para dizer a verdade, pelo meio do texto já éramos três confusos, quanto as linhas finais elojio, e não é por jentileza, achei ótimas! O jiló e Guimarães Rosa me tonteiam...
ResponderExcluirRosamaria Castello Branco