5 de junho de 2016

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O que significa dizer que a consciência é constituinte?



Edmund Husserl (1859-1938), fundador da Fenomenologia

Um leitor do capítulo que publiquei sobre a ética em Sartre* me indagou: o que significa exatamente dizer que a consciência é constituinte?  


Caro Eduardo, 

Aqui vai minha resposta a sua pergunta. Procurei ser o mais sucinto possível, inspirado no frescor dessa manhã de domingo. Assim espero ter logrado.

Constituição, para a fenomenologia, significa duas coisas essenciais. Primeiramente que a significação (ou se preferir, sentido dos objetos) é um ato da consciência. Em segundo, que a própria noção de objeto (etimologicamente, "o que está à frente") tem como correlato uma consciência que o coloca como um "ser aí". Portanto constituir significa "colocar como sendo aí". Edmund Husserl, fundador da fenomenologia, traduziu isso numa fórmula: "toda consciência é consciência de" (algo, este algo sendo qualquer coisa: um objeto material, imaginário, relembrado, idealizado, antecipado, afetivo, matemático etc). É o que ele chama de intencionalidade da consciência (não tem nada a ver com intenção no sentido de vontade, mas isso vou deixar para lá) . O que importa agora é isto: a fenomenologia consiste precisamente em descrever os atos da consciência, atos constituintes, intencionalidade - são sinônimos. Está bem até aqui? 

Pois bem. O conceito de intencionalidade designa a consciência de uma maneira totalmente nova. A psicologia por exemplo (Sartre faz uma crítica em Esboço para uma teoria das emoções), descreve a consciência como se ela fosse um depósito escuro (a "mente") dentro do qual se alojariam vários objetos (impressões, sensações, lembranças, emoções etc) e ali permaneceriam guardados. Desse modo, a atividade de consciência seria comparável a de uma lanterna que, direcionada a esses conteúdos lá dentro, seria capaz de iluminá-los.  

Aí vem a total novidade, originalidade, de Husserl, um de meus grandes mestres e de quem Sartre se faz herdeiro em suas bases. Para a fenomenologia justamente, a consciência não é um depósito: não não há nada dentro, ou melhor, ela não tem dentro, nem fora. Isso porque não se pode separar a consciência de seus objetos, ela nada é sem eles, pelo contrário, ela se revela com e através deles. Não há de um lado a consciência, e de outro, o objeto da consciência: a consciência é desde sempre uma totalidade, ela é o todo da realidade, só há consciência como consciência de. Isso não significa que a consciência cria o mundo (a consciência de mesa não cria materialmente a mesa) mas sim, que a consciência constitui o sentido de mundo (ou, se preferir, o sentido de mundo é o que a fenomenologia chama de consciência). A fenomenologia é, portanto, a revelação da consciência como constituinte de todo valor, ação, pensamento, sentido. 

Isso é apenas para dar o gostinho. Tem muito, muito, muito mais por vir: a fenomenologia é infinita. 

"Pelo fato de conceber ideias, o homem se torna um homem novo, que, vivendo na finitude, se orienta para o polo do infinito." Palavra de Husserl. 

Grato pela oportunidade de interlocução.


Claudio Pfeil 



*CLAUDIO PFEIL, "A moral em Sartre: uma porta para o impossível?", in SARTRE E SEUS CONTEMPORÂNEOS, Ética, Racionalidade e Imaginário, Ed. Ideias & Letras

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