Uma
leitora assídua do Diário do Analisando, comentando o trecho da carta de
Jacques-Alain Miller (Lettre ouverte à Monsieur Guaino sur les
mariages, Le Point, 29/01/2013) em que ele se refere às tradições, indaga-me se, no fim das contas,
devemos considerar a cultura e a nós próprios como idiotas, uma vez que a
tradição é fruto dos valores passados de geração à geração.
Boa
pergunta. Mais ainda, essencial.
Naturalmente,
quem diz tradição diz transmissão: graças a elas a história e a cultura vão se formando. A questão é quando
a tradição impõe-se como regra de conduta, inviabilizando o surgimento de uma
nova forma de vida, esta baseada, não no dogma, mas contrariamente, na
autorreflexão: que vida eu quero para mim?
Creio que é nesta perspectiva que devemos entender a mensagem de Lacan: "uma tradição é sempre idiota". Quem se apega na tradição como norteador de sua existência, não reflete a si próprio, permanecendo na escuridão e, por que não dizer, na burrice. O próprio da tradição é manter-se - ou fazer o esforço de manter-se - como tal, igual a si mesma, imutável: eis sua imensa vocação ritualística e ao mesmo tempo sua fragilidade reflexiva. Em outras palavras, a tradição é por essência dogmática, repetitiva: sou porque sou e assim me perpetuarei, custe o que custar, sempre a mesma. Ponto final.
Creio que é nesta perspectiva que devemos entender a mensagem de Lacan: "uma tradição é sempre idiota". Quem se apega na tradição como norteador de sua existência, não reflete a si próprio, permanecendo na escuridão e, por que não dizer, na burrice. O próprio da tradição é manter-se - ou fazer o esforço de manter-se - como tal, igual a si mesma, imutável: eis sua imensa vocação ritualística e ao mesmo tempo sua fragilidade reflexiva. Em outras palavras, a tradição é por essência dogmática, repetitiva: sou porque sou e assim me perpetuarei, custe o que custar, sempre a mesma. Ponto final.
A ética
não é e não pode nunca ser confundida com tradição: ética não tem ponto final. Ética é criação, isto é,
cria-ação individual, um projeto sempre em realização de cada um, absolutamente
singular, às avessas de normatizações e hábitos. Contrariamente
à tradição que aponta para o dogma e o padrão, a ética aponta para a autorreflexão
e a diferença. Tradição é mesmice, ensimesmamento; ética é inovação, alteridade.
A cada um de nós cabe escolher sobre que base edificar sua existência.
Gostei da sua explicação para este famoso aforismo de Lacan. O que eu acho é que podemos ter tradições que não norteando a existência. Todos os povos tem rituais, ciclos . e certas tradições fazem parte do ciclo da vida, Existem momentos como Natal e alguns outros feriados em que podemos dar vazão sem culpa ao desejo de estar, conversar com amigos, ou com os filhos , ahh dolce fa niente,, nenhum compromisso a vista e isso é salutar .Mas , nada de ansiedade ou crise se as coisas não são como na casa da bisa. Como você disse, ter um estilo singular e que cada um invente sua reunião, seu feriado. com seu estilo próprio.
ResponderExcluirPrezada Graça
ResponderExcluirNaturalmente, não se trata aqui de uma tomada de posição sumária contra as tradições. Como dissemos, elas representam os valores da cultura transmitidos de geração à geração os quais estruturam-nos, fazem parte de nossas identificações. Não estou de acordo que façam propriamente parte do ciclo da vida, a menos que, por vida, entendamos "cultura". Até aí, tudo bem.
Entretanto há de se atentar para o fato de que o próprio da tradição é manter-se - ou fazer o esforço de manter-se - como tal, igual a si mesma, imutável: eis sua imensa força dogmática e ao mesmo tempo sua fragilidade reflexiva. Em outras palavras, a tradição, por essência, é irreflexiva: "sou porque sou e assim deverei permanecer,ponto final" - bem poderíamos ouvi-la dizer.
Contrariamente à tradição que aponta para o dogma, a ética aponta para a autorreflexão. A cada um de nós cabe escolher sobre que base edificar sua existência.
Obrigado por nos acompanhar.