Escrevi há tempos que desde garoto eu tinha gosto em
desenhar plantas baixas da casa onde eu iria morar quando eu crescesse. Um
detalhe nunca faltava: uma poltrona onde eu indicava com uma flecha vermelha e
letras grandes - POLTRONA DA MAMÃE.
Uma leitora assídua
comentou que se ela fosse desenhar uma casa agora, não teria a "poltrona
da mamãe" mas a "cadeira elétrica da mamãe". E terminou assim:
“Ai, como é forte a raiva que a gente sente às vezes, mesmo das pessoas que a
gente ama, não é? Por isso o divã é uma luta... vai o analista dizer que você
quer matar sua mãe eletrocutada - ainda que simbolicamente, claro - e a
primeira reação é negar, negar, até a morte!”
A leitora expressou de
forma tragicômica essa ambiguidade que frequentemente nos dilacera, a qual Elis
Regina entoava como só ela:
“As
aparências enganam aos que odeiam e aos que amam
Porque o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões”.
Porque o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões”.
A psicanálise leva essa
ambiguidade muito a sério, radicalmente: amor e ódio não são antípodas mas sim dois lados da
mesma moeda. O amor, diz Lacan, é um enamoramento, une énamouration. Mas Lacan não seria Lacan se não o dissesse de
forma provocativa e equívoca, criando um neologismo : hainamouration (haine, em
francês, é ódio). Lacan brinca com a homofonia existente entre énamouration et hainamouration. Assim, l’amour
est une hainamouration, misto de amor e ódio, “amódio” como se costuma
traduzir em português.
É justamente essa
ambiguidade do amor expressa em hainamouration
que faz com que a “poltrona da mamãe” se transforme muitas vezes na “cadeira
elétrica para a mamãe”, no coração do mais amoroso dos mortais. Ainda que,
revoltado contra si mesmo e o que lhe parece totalmente insano – “como posso
odiar mamãe? (!!!)” - sua primeira reação seja a de negar até a morte: “odiar
mamãe? Jamais, jamais! Mamãezinha querida: eu sempre te amei e sempre vou te
amar...”
E não é por menos. O amor
não é tarefa nada fácil pois é fruto, não da completude, mas de nossa própria
divisão, da falta. Por isso, a gente esbraveja, esperneia, ama, desama, odeia, mas nada, nada, nada, nada, nada, nada, nada é mais eletrizante, mobilizador – mobiliza-dor - do que o amor. Hainamouration, do nascimento até a morte: não adianta negar. Faz parte: a mais grandiosa.
Si
je commence par l’amour,
c’est
que l’amour est pour tous,
−
ils ont beau le nier, −
la
grande chose de la vie.
Baudelaire
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