3 de maio de 2011

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Do amor


Observo nas conversas que tenho tido, nas pessoas ao meu redor, que elas não colocam o amor na pauta do dia de suas vidas. Não falo de ter ou não ter um relacionamento: falo de ter um amor. Para elas, independentemente de terem ou não um parceiro, o amor não é uma realidade concreta, mas um ideal. O que eu quero dizer com isso? Quero dizer que elas têm o amor como algo que só existe no seu pensamento, como uma realidade abstrata, difusa, como um número, um objeto geométrico, como falar da origem do universo ou de estrelas que brilham no céu, mas deixaram de existir há anos luz. Algo irremediavelmente perdido num passado mítico de que guardam alguma lembrança, ou guardado a sete chaves num futuro que anseiam chegar logo, mas temem nunca chegar. E não chega mesmo: o próprio do futuro é sempre estar por vir, nunca chegar.

O interessante e paradoxal nisso tudo é que, mais ou menos explicitamente, todo mundo busca um amor, ou diz buscar, diz querer, diz procurar. O problema, dizem as pessoas, é que não o encontram. O problema vem do outro, da ausência desse outro, da sorte, da má-sorte. E seguem falando de trabalho, de concurso, de política, de filhos - de namorado de filhos - de problemas, de coisas interessantes - outras menos interessantes, outras tantas chatas, de dinheiro - ou da falta dele, de aquecimento global, de vulcões, de greve disso, de greve daquilo, de feio, de bonito, de barriga, de malhação. E de amor? Amor? Só em filme, livro e novela. Pois amor não é coisa real, é fantasia, como carnaval. Brincadeira, passatempo, quando se tem tempo. E como nunca sobra tempo, “é preciso esperar, paciência... fazer o quê?

Tudo, menos esperar. Esperar ter tempo para amar: que perda de tempo! O amor não requer espera, requer decisão. Decisão e comprometimento, comprometimento total. Não há que se esperar para amar: há que se determinar a amar, a dar amor ao tempo, isso sim, dar todo amor a todo tempo. Começando agora, já. Nada de depois, amanhã, de quando houver tempo: o que chamamos de presente é o único tempo que existe. O tempo está a nossa espera para que preenchamos o instante com amor. Aí, ele para de correr e passa a fazer sentido. Quem diz buscar, querer, procurar o amor deve antes de tudo se perguntar: o que eu estou fazendo ao longo dos meus dias para tornar o amor presente, real? As pessoas me perguntam: “Como vai? O que você tem feito?” Eu respondo: “Estou amando”. Isso lhes causa uma surpresa desconcertante, um sorriso meio indiferente, como se o amor não tivesse lugar na vida real, não se encaixasse em nenhuma hora útil do dia-a-dia. Mais do que isso: como se amar não fosse um fazer, um cuidar, um viver. “Como uma criatura, com tantas coisas e problemas no mundo, diz que amar é o que ela tem feito?”. E riem-se, mais ou menos alegremente, ironicamente, disfarçadamente. Na verdade, disfarçam o profundo vazio da falta de amor em suas vidas, com pretensa seriedade e aparente indiferença. Como se houvesse verdadeiramente valor para além do amor. Pois eu digo: nada mais sério e digno de cuidado do que o amor. Sem ele, dramático o existir! “Resolvi dar um tempo no amor, cuidar mais de mim”, confidenciou-me um amigo. Como se o amor e o cuidado de si se excluíssem, como se houvesse melhor maneira de cuidar de si do que amar, como se houvesse algum si fora do amar.

Como se amar fosse à parte. Uma parte.
Não é. Fora do amor não se é.
Amor é o todo, pois de tudo, é o sentido.
Não é parte, nem à parte:
é o ser inteiro em ação,
a exclamar como o sol: agora, sim, eu vivo, eu vivo, eu vivo!