26 de setembro de 2013

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Nova-iorquinos: tão diferentes, tão parecidos (Parte 3)



A aliança entre, de um lado, organização e eficiência, e de outro, cordialidade e respeito, é o que podemos chamar de bem-servir e nos faz pensar que uma megalópole não é - ou deve ser - necessariamente um inferno de relações humanas e serviços degradados: NYC com todos os seus problemas, paradoxos e contradições dá mostras disso, numa espécie de jogo de compensações. E, dentro de nossa visão de viajante, e indo tanto quanto possível um pouco além dela, foi o que inesperada e prazerosamente pudemos vivenciar. 

Vejamos o sistema de transporte público. O metrô, embora não seja nenhum exemplo de limpeza - as estações são em geral mal cheirosas, e em algumas há lixo acumulado na plataforma ou mesmo nos trilhos - funciona 24h, cobre toda a cidade, é rápido, seguro, muitíssimo bem sinalizado, possui ar condicionado nos vagões e baldeação para todo lado. É literalmente um transporte de massa. Tem um porém: não é nem um pouco acessível aos cadeirantes e idosos, uma vez que, raras, raríssimas, são as escadas rolantes e elevadores - é um labirinto abafado de corredores estreitos com escadas que não acabam mais. Em compensação a rede de ônibus integrada a de metrô (o MetroCard garante acesso a ambos), tão extensa e complexa quanto (embora não funcione 24h), além de impecavelmente limpa e ar condicionado perfeito, é totalmente adaptada: o piso do carro nivela-se com o da calçada, há uma rampa pivotante de acesso aos cadeirantes e espaço reservado para eles dentro do carro. E o mais impressionante de tudo: haja o tráfego que houver, o motorista desce do ônibus, conduz o cadeirante com cuidado para dentro do carro e afivela um cinto de segurança. No caso do idoso, o motorista aguarda pacientemente que ele tome assento para só então seguir em frente. Está bem assim? Em cidades menores como Toronto e Montreal, ou ainda menores como Québec, onde observamos comportamentos dessa natureza e surpreendentes facilidades de acesso (em Québec, alguns ônibus possuem um rack na parte dianteira para transporte de bicicletas!), tal diligência pode não chamar muito a atenção ou causar tanto impacto assim. Mas numa megalópole como NYC, faz toda a diferença. Isso sem falar nas bicicletas de aluguel e ciclovias que se espalham - e provavelmente continuarão a se espalhar - por toda a cidade: NYC aderiu, a gente adorou.

24 de setembro de 2013

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Nova-iorquinos: tão diferentes, tão parecidos (Parte 2)



Continuando no registro das diferenças: organizados e eficientes, nisso os nova-iorquinos também se diferenciam um tanto de nós. Claro, claro, generalizações são sempre burras e há sempre algo ou alguém a nos desmentir. A cozinha de nossa housemate, por exemplo, é um furdunço de latas e caixas vazias misturadas a rolos de sacos de lixo, papel higiênico, produtos de limpeza, temperos, molhos de tomate, pacotes de macarrão e por aí vai. E todo mundo conhece um brasileiro que odeia carnaval e futebol. Dito isso, brasileiro adora futebol e carnaval, e os nova-iorquinos são organizados e eficientes. E vão além disso.

Vamos à prova - a nossa - é claro. Supermercado Mundial de Copacabana, do qual sou assíduo cliente. Quem nele já esteve sabe bem o que é: mais popular e apinhado impossível, gente se acotovelando, filas intermináveis nos caixas. O melhor preço da praça, óbvio. Pois então. Em East Village, onde ficamos, tivemos a sorte de encontrar pertinho de casa o Trader Joe’s, uma espécie de Mundial muitos patamares acima, porém, ao que nos pareceu, preço muito em conta, bastante popular, sempre cheio e apinhado. No primeiro dia, ao avistar uma só fila gigantesca em direção aos caixas serpenteando o supermercado, quase fomos embora. Ainda bem que não fomos. Para surpresa nossa, contrariamente ao Mundial que tem inúmeras filas sempre emperradas, a fila única do Trader Joe’s flui numa rapidez que deixa a gente boquiaberto e intrigado. Maior número de caixas do que no Mundial? Não. De funcionários? Não, pelo contrário. Atendimento mecânico, tratamento impessoal? Nada disso. Os caixas - pasmem! - batem papo com os clientes (a jamaicana que nos atendeu está com planos de ir ao Brasil) e, com o esmero e o cuidado de quem prepara uma mala para viagem, arrumam eles próprios as compras dentro de sacolas de papel. A gente nem toca na mercadoria, só pega a sacola quando o caixa termina de arrumar e vai embora. Inacreditável. Não precisa ser nenhum especialista em gerência nem análise organizacional para se dar conta de que uma só fila bem distribuída em direção a pessoas atentas e prontas no caixa, vale muito mais do que um emaranhado de filas competindo umas com as outras no empurra-empurra e bate-bate dos carrinhos de compra. Não se trata simplesmente de organização e eficiência, tarefas que uma máquina ou um robô são capazes de cumprir: trata-se sim de organização e eficiência aliadas à cordialidade e ao respeito.

Caixa do Trader Joe’s, East Village, NYC

23 de setembro de 2013

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Nova-iorquinos: tão diferentes, tão parecidos (Parte 1)




De tudo o que vivemos em New York City, a bem dizer Manhattan, fica a vivência - nossa é claro - de que os nova-iorquinos são muito diferentes da gente e muito parecidos com a gente.

Comecemos pelas diferenças - a que mais nos saltou aos olhos e aos ouvidos. A gente pergunta: - Onde fica a loja tal? A resposta vem preto no branco: 14th com a First.  Isso diz tudo. Nós somos montanhas, ondas, curvas, volteios: fazemos uso de um monte de palavras e gestos para nos situar nas cidades, no mundo, na vida. Nova-iorquinos são objetivos, diretos, retos. Colam um número em duas linhas que se cruzam e pronto, está dada a direção. Right to the point. O mapa de Manhattan é o próprio espelho dessa objetividade: um quadrilátero de coordenadas que vão da direita para a esquerda (Avenida 1, 2, 3 e assim por diante) e de baixo para cima (Rua 1, 2, 3, e assim por diante). Nada de rua com nome de senador, cardeal, doutor fulano de tal. Nem rua Madame, da Roseira, da Velha do Templo, do Gato que Pesca, como em Paris. O quadrilátero é basicamente um jogo de linhas retas e numeradas: qualquer pessoa minimamente antenada é capaz de se localizar em pouquíssimo tempo. Os primeiros dias que passamos em NYC medindo rua - dia, noite, madrugada adentro - foram suficientes para já nos sentirmos em casa.

Por outro lado, essa objetividade tão cômoda na localização urbana e nos terrenos práticos, quando num contato mais pessoal, parece-nos um pouco fria, a interpretamos como indiferença, impessoalidade. A gente gosta de saber, perguntar, se interessa pela cultura do outro, pelas coisas mais banais, o que gosta de fazer, no que trabalha, o que fez durante o dia, por onde andou, se passou bem, Quando temos hóspedes em casa, sobretudo no caso de estrangeiros, a gente se preocupa em agradar, dar dicas de lugares, comidas típicas, coisas da nossa cultura, oferecemos caipirinha, perguntamos varias vezes se estão gostando, se está indo tudo bem. Mesmo sendo um estranho, a gente cria um laço de afeto, e na maioria das vezes, quem chega como simples hóspede, vai embora como amigo. Ou seja, nós não nos limitamos ao terreno da praticidade, nós naturalmente o extrapolamos. 

A experiência que tivemos com nossa housemate em East Village foi o oposto. Em termos de objetividade, a colocatária não deixou nada a desejar, sempre nos atendendo com gentileza e eficiência quando a solicitávamos - mas somente quando a solicitávamos. Essa é a questão para nós - vivemos sempre na expectativa de uma “extrapolação”, de ouvir do outro: e aí, estão gostando? o que fizeram o que hoje? já foram a tal lugar? não deixem de ir! como é o Rio? Como é a vida por lá? Expectativa frustrada: nossa housemate, invariavelmente helpful e sweet conosco, passava a maior parte do tempo fechada no quarto, ouvindo música, vendo televisão ou diante do computador. Em nenhum momento - apesar, repito, de toda sua solicitude - notamos de sua parte um interesse, uma curiosidade mínima que fosse um pouco além do contrato objetivamente acordado, da relação protocolar host-guest. Naturalmente, a expectativa de um contato mais pessoal é NOSSA e se falamos de frustração é, não no sentido de que nossa housemate tivesse a obrigação de satisfazê-la, mas no sentido de que essa frustação é muito reveladora de nós próprios, de nossa maneira de interagir, do olhar que temos sobre o outro. Além disso, revela também uma impressão geral que ficou para nós: os nova-iorquinos fazem uma separação deliberada e nítida entre o que é disponível e o que não é, entre o que eles se dispõem a fazer e o que não se dispõem, entre o objetivo e o subjetivo, entre o “efetivo” e o “afetivo”. Culturalmente, fácil e espontaneamente, e acima de tudo por gosto mesmo, nós misturamos as coisas (sequer chegamos a separá-las) - eles parecem que não. Assim sendo, no último dia de nossa estada em NYC, depois de duas semanas de “convivência”, a primeira pergunta que nossa host nos fez assim que nos encontramos de manhã: what time you leave? No quadrilátero retilíneo de Manhattan, faz todo sentido.

19 de setembro de 2013

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Próximo capítulo?




José Dirceu havia dito que a decisão de ontem não seria o "última capítulo". Bingo! O fiel escudeiro de Lula deve ter boas, muito boas razões, para arvorar tamanha clarividência.
Na contramão das manifestações que sacudiram o País contra a corrupção - e a despeito de sua já condenação num processo que se arrastou durante anos - ele consegue manter-se vivo nessa trama de falcatruas, e com aquele sorriso de deboche que a gente conhece bem, afronta qualquer sentimento  ético como que a proclamar: estão vendo, eu sou acima do bem e do mal.
Jogada de mestre, que dizer, de bandido de categoria. Sabe vilão de Tarantino que leva mil balas no peito e continua aprontando das suas? Pois, é. Ladrão de galinha não tem a mesma sorte: mofa na cadeia até mesmo quando não tem nada a ver com a galinha.
E a história continua.
As mazelas continuam.
Os Celsos de Mello continuam.
A roubalheira continua.
José Dirceu continua.
E a gente continua: de saco cheio desses bandidos-políticos que se refestelam na impunidade com o dinheiro público e desses juízes que ganham salários estratosféricos para acobertar esses bandidos, tendo ainda por cima que engolir os capítulos espúrios que uns e outros protagonizam e continuam a protagonizar. Eles não desistem, não des-existem.
Qual o capítulo a seguir, companheiro José Dirceu?
Não me admiro nada se daqui a pouco ele e a corja de bandidos do Mensalão, além de absolvidos, entrarem com ação na Justiça contra danos morais.
Se Celso de Mello for o juiz então, que final feliz companheiro!