3 de abril de 2012

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O beijo



Edvard Munch. The Kiss. 1897, Munch Museum, Oslo
 
Quando entrei na sala, ela estava sentada, pés descalços apoiados na poltrona, os bracinhos ao redor das pernas dobradas, as mãos segurando os dedinhos dos pés, queixo apoiado nos joelhos. Parecia encolhida de frio. Seu cabelo mudara completamente, loiro, puxado para trás, preso com fita azul, formando um longo rabo de cavalo. A pele demasiadamente clara, um pouco pálida, talvez reflexo de sua blusa de tricô amarela, de trançado grosso, e que de tão larga, parecia ter-lhe sido emprestada, afofando-lhe a silhueta fina. A mesa mudara também: o grande tampo de vidro retangular cedeu lugar a uma mesa pequena, quadrada, em madeira clara, não mais encostada na parede, mas sim no centro da sala, ela sentada defronte à mesa. Não me disse nada, nem bonjour, apenas me olhava. Não sentei, continuei em sua direção, atravessei a sala, passei pela mesa, pus-me de pé ao seu lado. Ela levantou a cabeça, imediatamente me abaixei e beijei-lhe a boca. Enquanto sentia seus lábios nos meus, ouvia sua voz murmurante:

- Eu não devia...não devia...

Acordei.
Hora de ir para a análise.