11 de dezembro de 2011

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O beijo

Quando entrei no consultório, ela estava sentada, pés descalços no assento
da poltrona, os bracinhos ao redor das pernas, as mãos segurando os dedos
dos pés, queixo apoiado nos joelhos. Parecia encolhida de frio. Seu cabelo
mudara completamente, loiro, puxado para trás, preso com fita azul formando
um longo rabo de cavalo. A pele demasiadamente clara, um pouco pálida,
talvez reflexo da blusa amarela de tricô, trançado grosso, e que de tão larga,
parecia ter-lhe sido emprestada, afofando-lhe a silhueta fina.
A mesa mudara também: o grande tampo de vidro retangular cedeu lugar
a uma mesinha quadrada, madeira clara, não mais encostada na parede, mas
no centro da sala, ela sentada em frente. Não me disse nada, nem bonjour, apenas
me olhava. Não sentei, continuei em sua direção, passei pela mesa, pus-me
de pé ao seu lado. Ela levantou a cabeça, imediatamente me abaixei e beijei-lhe
a boca. Enquanto sentia seus lábios nos meus, ouvi sua voz murmurante:
– Eu não devia... eu não devia...
Acordei.
Hora de ir para a análise.