21 de junho de 2014

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Noite de autógrafos em São Paulo

A noite de autógrafos em São Paulo é uma homenagem do autor Claudio Pfeil aos leitores paulistanos e à cidade de São Paulo, primeira destinação do livro Diário de um analisando em Paris.

Venha participar desse encontro!

Você que já tem o Diário, traga o seu exemplar para ser autografado. Você que ainda não tem, venha conhecer o autor e fazer parte dessa onda de amor!


Dia 17 de julho, na Livraria da Vila - Pinheiros, São Paulo

Confirme sua presença em: https://www.facebook.com/events/294133870760716/


16 de junho de 2014

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Torce-dor



Maracanã, Rio de Janeiro, Copa do Mundo 2014



A Argentina chegou à final da Copa do Mundo contra a Alemanha: ficou em vice. Assisti à sua estreia contra a Bósnia no Maracanã, mas o tão esperado duelo não ocorreu. Pelo menos no gramado.

O verdadeiro duelo se deu na tribuna, entre torcidas: a da Argentina, é claro - que literalmente lotou e coloriu o Maracanã de branco e azul - e a do Brasil, infinitamente menor do que a arquirrival, mas suficiente para fazer peso e torcer pela Bósnia.  Mas o que o Brasil tem a ver com a Bósnia? Nada, exceto o fato de ser contra à Argentina: torcer pela Bósnia e "secar" a Argentina, um só e mesmo combate. Está certo que foi mais fácil secar a Argentina do que torcer pelo time da Bósnia:  

- Porra, a gente tá tentando torcer pela Bósnia cacete, mas esse time de merda não ajuda! Puta que pariu! - esgoelava-se uma torcedora desbocada ao meu lado. 

O clima, o ânimo e o estilo da tribuna eram esse. 

Os hermanos cantavam lá, os brasileiros cantavam cá. 
Os brasileiros provocavam cá, os hermanos provocavam lá. Os hermanos xingavam lá, os brasileiros xingavam cá.  "Argentina!Argentina!" lá, "Bósnia! Bósnia!" cá. 
"Messi" em coro lá, "Neymar" em coro cá. 
Não sei o quê lá, "Pentacampeão" cá! 
Teve até um arremedo de pancadaria, lá e cá, cá e lá. 
E esse toma lá dá cá recomeçava - ora lá e cá, ora cá e lá - numa repetição sem fim, como estorinha que criança pede para contar antes de dormir: sempre a mesma. 

Incrível como as torcidas de futebol, no seu gigantismo ostentamente viril, podem ser ao mesmo tempo tão puerilmente primitivas. Sabe aquela coisa de meu pai bate no seu, o meu é maior, melhor, mais forte do que o seu"? Pois é. 

A ida ao Maracanã ontem - para além da emoção de adentrar o templo lendário do futebol numa Copa do Mundo - fez-me sentir no corpo o que eu já pressentia há muito tempo: a rivalidade entre torcidas no futebol, traduzida na expressão “paixão de torcedor”, e a qual frequentemente veste o uniforme da violência e do fanatismo (uni-forme, uma forma única), é de fato uma paixão. O que me chamou a atenção ontem, foi o seguinte: a paixão do torcedor rola propriamente muito mais fora do que dentro do campo, ou para bem dizer, rola noutro campo. 

Paixão, no sentido forte, etimológico - pathos - é aquilo do qual padecemos, que nos faz sofrer, retorcer de dor, torcer-de-dor, torce-dor. E o que faz de cada um, torce-dor? A própria ausência de sentido, a inabilidade ou incapacidade de todos nós, seres falantes, de lidar com o impossível de dizer. O torce-dor vai se agarrando às palavras numa tentativa desesperada de nelas encontrar socorro, de fazê-las significar o insignificável. Mas para isso, o torce-dor precisa de um outro torce-dor a quem se dirigir e que lhe sirva de testemunho desse “salve-se quem puder”: o torce-dor rival é um espelho. Cá e lá, lá e cá, o torce-dor canta, xinga, provoca, gesticula, ameaça, esbraveja, até bate de raiva, num toma lá dá cá vicioso, sem sentido nenhum. Que sentido tem um de cá levantar o indicador num gesto obsceno a um outro de lá, que se encontra a léguas de distância e sequer conhece, e vociferar: vai tomar no seu...? 

Pois é, sem sentido nenhum, sem sentido mesmo, posto que é a própria ausência de sentido que se torce e retorce no torce-dor: é o insignificável de cada um.  O insignificável toma corpo no torce-dor e o corpo do torce-dor não sabe o que fazer com esse resto de indizível: é da ordem da desobediência, do sem lei. E, claro, com um modo de satisfação singular, singularíssima, de cada um. 

Futebol é assim: dentro do gramado, a lei; fora dele, o corpo feroz e sem lei do torce-dor, marcado pelo insignificável e uma excitação desenfreada, gozante, em se haver com isso. Enquanto o árbitro opera em campo, impõe as regras do jogo, adverte, marca a falta, expulsa - ou seja, encontra palavras para dizer, significar - o torce-dor sofre, padece de um silêncio, um vazio, uma fenda, contra os quais nada pode. O torce-dor sofre de não saber dizer; antes, de não poder dizer. Tudo é em vão. Nessa impotência que é sua, solitária, irrompe a agressividade, transmutada pelo torce-dor em hostilidade frente ao torce-dor rival, este que nada mais é do que sua imagem no espelho, ele mesmo, isto é, o sem-sentido-em-corpo do torce-dor ante seu próprio insignificável. Daí, quando o corpo feroz e sem lei do torce-dor se aglutina numa massa gigante de torce-dores, o risco de se resvalar para a loucura é sempre iminente. Nietzsche está aí para nos alertar: Nos indivíduos, a loucura é algo raro - mas nos grupos, nos partidos, nos povos, nas épocas, é regra."

Todo torce-dor é desde sempre um sofre-dor, terrível sofre-dor. E para sempre: palavra nenhuma, nem o mais eloquente palavrão, é capaz de dizer e calar essa dor.

12 de junho de 2014

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Símbolo da Pátria




Saí da análise sob chuva fina pedalando contra o vento frio. Passei ao largo do Jardin du Luxembourg, desci a rue Bonaparte, parei no sinal. Na calçada, aguardando para atravessar, uma moça de mãos dadas com uma menina loira, cinco aninhos, não mais. Olhou para mim, sorriu, voltou-se para a menina com afeto, e disse em português:

– Conhece aquela bandeira, filha? – apontou para a bandeira do Brasil enrolada no meu pescoço.

A menina, botinha, manteau e chapeuzinho, já bem dentro da forma de criança parisiense, uma adulta em miniatura, olhou para mim, encabulou-se e não disse nada. – Claro que conhece – fiz graça com ela – é a bandeira mais linda do mundo!

A pequenina, mais encabulada ainda, tapou o rosto com os dedinhos e permaneceu calada. A mãe deu um sorriso de brasileira, cheio de dentes.

O sinal abriu, saí pedalando rue Bonaparte abaixo até o Sena. No caminho de vento e chuva fina pensei: a bandeira mais linda do mundo... o que será que a menininha vai fazer com esse simbólico?"



11 de junho de 2014

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Só é rival quem a gente admira



Um amigo querido e leitor do Diário, Sérgio Viula, disse hoje que ficou “sensibilizado pelo jovem torcedor argentino que teve o dedo quebrado em Belo Horizonte quando passeava com família e amigos e carregava uma bandeira da Argentina. Um grupo de rapazes atacou o torcedor/turista e ele agora vai ficar no hospital e ser submetido a uma cirurgia. Essa mania do brasileiro de ficar sacaneando argentino por causa de rivalidade no futebol é ridícula, especialmente quando a gente vê que o argentino nos recebe tão bem em sua terra e gosta tanto de conversar com a gente quando percebe de onde somos.”
Solidarizo-me 100% com meu amigo e mais ainda com torcedor, a quem, como brasileiro, sinto-me no dever de dizer o seguinte. Os argentinos que eu tive o prazer de encontrar em minha vida são gentilíssimos, nos acolhem super bem em sua terra, adoram o Brasil, se interessam por nossa música, cultura, enfim. O Papa Francisco que esbanja carinho, simpatia e amor pelos quatros cantos do mundo, não é argentino?
Essa rivalidade tosca no futebol, que no mais das vezes redunda em brutalidades como no episódio em questão, reverbera funestamente o que a psicanálise nos ensina: a gente só sente rivalidade com quem a gente admira.  
Hermanos, nós admiramos vocês. Sejam sempre bem-vindos!
http://g1.globo.com/videos/minas-gerais/t/todos-os-videos/v/torcedor-argentino-e-agredido-e-tem-o-dedo-quebrado-em-belo-horizonte/3408255/

6 de junho de 2014

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Coroa de Prata




Paris de cinza ontem
tão linda ficou
que hoje o sol
cauteloso
resolveu dar uma espiadinha
Com temor de roubar
à grande dama
o traje
pouco brilhou
retirando-se tímido
trás das nuvens
A lua curiosa
quis a dama também espreitar
mais sutil
aguardou um momento
Conhece bem os segredos do cinza!
E no redondo da hora
cheia bem cheia
de si de encanto
de sonho de amor
abriu um arco no céu
fez-se coroa
e prateou a rainha
como só ela

Diário de um analisando em Paris, p.30



5 de junho de 2014

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Do amor



Observo nas conversas que tenho tido, nas pessoas ao meu redor, que elas não colocam o amor na pauta do dia de suas vidas. Não falo de ter ou não um relacionamento: falo de ter um amor. Para elas, independentemente de terem ou não um parceiro, o amor não é uma realidade concreta. O que eu quero dizer com isso? Que elas têm o amor como algo que só existe no pensamento, como uma realidade abstrata, difusa, como um número, um objeto geométrico, como falar da origem do universo ou de estrelas que brilham no céu, mas deixaram de existir há anos luz. Algo irremediavelmente perdido num passado mítico do qual trazem alguma lembrança, ou guardado a sete chaves num futuro que anseiam chegar logo, mas temem nunca chegar. E não chega mesmo: o próprio do futuro é estar sempre por vir.

O paradoxal nisso tudo é que, mais ou menos explicitamente, todo mundo busca um amor, ou diz buscar, diz querer. O problema, dizem as pessoas, é que não encontram. O problema vem do outro, da ausência desse outro, da sorte, da má sorte. E seguem falando de trabalho, de política, de filhos, de problemas, de coisas interessantes – outras menos interessantes, outras tantas chatas – de dinheiro – ou da falta de – de aquecimento global, de vulcões, de greve disso, de greve daquilo, de feio, de bonito, de dieta, de malhação. E de amor? Amor, só em filme, livro, e olhe lá! Pois amor não é coisa real, é fantasia, como carnaval. Brincadeira, passatempo, quando se tem tempo. E como nunca sobra tempo: “deixa rolar, paciência... fazer o quê?” 

Tudo, menos esperar. Esperar ter tempo para amar, que perda de tempo! O amor não requer espera, requer decisão. Decisão e comprometimento. Não há que se esperar para amar, há que se determinar a amar, a dar amor ao tempo, isso sim, dar todo amor a todo tempo. Começando agora, já. Nada de deixar rolar, de depois, amanhã, quando houver tempo. O presente é o único tempo que existe. E ele está a espera de que o preenchamos com amor. Aí, ele para de correr e passa a fazer sentido. Quem diz buscar, querer o amor, deve antes de tudo se perguntar: o que eu estou fazendo ao longo dos meus dias para tornar o amor presente?

Perguntam-me: “Como vai? O que você tem feito?” Eu respondo: “Estou amando”. Isso causa uma surpresa desconcertante, um sorriso meio indiferente, como se o amor não tivesse lugar na vida real, não se encaixasse em nenhuma hora útil do dia. Mais do que isso, como se amar não fosse um fazer, um cuidar, um viver. “Como uma criatura, com tantas coisas e problemas no mundo, diz que amar é o que ela tem feito?”. E riem-se, mais ou menos ironicamente, disfarçadamente. Na verdade, disfarçam o profundo vazio da falta de amor em suas vidas, com pretensa seriedade e aparente indiferença. Como se houvesse verdadeiramente valor para além do amor, para além do afeto.

Pois eu digo: nada mais sério e digno de cuidado, sem amor, dramático o existir! “Resolvi dar um tempo no amor, cuidar mais de mim”, confidenciou-me um amigo. Como se o amor e o cuidado de si se excluíssem, como se houvesse melhor maneira de cuidar de si do que amar, como se houvesse algum si para além do amar.

Como se amar fosse à parte. Uma parte. Não é. Fora do amor, se é?

Amar faz ser. Amor é o todo, pois de tudo é o sentido. Não é parte, nem à parte.

É o ser inteiro em ação, a exclamar como o Sol: agora, sim, eu vivo, eu vivo, eu vivo!