23 de outubro de 2013

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Jornada da Escola Brasileira de Psicanálise Rio


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Hamlet no divã



René Magritte



Antes de fazer análise, a gente é aquele que ama ou odeia, a gente é isso ou aquilo. Quando se começa uma análise, a gente se descobre como aquele que ama e odeia, como isso e aquilo. Como sustentar tal contradição? 

Do ponto de vista da razão e da lógica, obviamente, não dá. Pois os dois princípios lógicos fundamentais, inaugurados pelo filósofo Parmênides, são o princípio de identidade e o de não contradição. De maneira simples: o primeiro diz "o ser é", o segundo, "se o ser é, seu contrário (o não ser) não é". A identidade desconhece negação, diferença, movimento, tempo, mudança: tudo isso contraria a própria noção de identidade. Se eu sou o que sou, ou o que penso ser (o que equivaleria à verdade do meu ser), o contrário do que sou ou do que penso ser é necessariamente falso. Tal perspectiva lógica levou outro filósofo, Descartes, séculos e séculos mais tarde, a enunciar uma das, se não a mais conhecida das máximas filosóficas, espécie de florão do racionalismo: “penso logo existo”. Foi preciso Freud e a psicanálise para sustentar a contradição à contracorrente da lógica e da identidade: é justamente onde não há lógica que está a verdade do sujeito. “Penso onde não sou, logo sou onde não penso”, subverte Lacan. 

A psicanálise trabalha com o que justamente escapa ao sentido, com a falta de sentido, com o que não se fecha. Uma análise é feita para provocar a divisão na gente: é o que Lacan chama de sujeito dividido, “sujeito barrado” (simbolizado por Lacan como $: a “barra” sobre o “S” designa a falta de unidade, nossa divisão). A divisão que ela provoca é a porta de entrada para a verdade que nos é mais própria, e que no entanto nós desconhecemos, uma vez que é inconsciente e totalmente ilógica. A verdade analítica é da ordem de uma lógica ilógica. 

O dilema que a gente enfrenta numa análise não é ser ou não ser, é ser e não ser. Eis a questão. 

Hamlet no divã.

18 de outubro de 2013

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Virei fã


Todo mundo mais ou menos antenado, mais ou menos ligado à literatura, deve estar se cobrando uma posição acerca da celeuma dos direitos atuais. Eu tô nessa. Tenho me informado lá e cá, mas confesso: não tenho ainda nenhuma opinião formada. Quando tiver uma, publicarei no Diário.

Enquanto isso, tenho que externar minha gratidão. Não sei bem se é esta a palavra. Mas no mínimo, Paula Lavigne - que é livre para pensar e defender o que quiser, mas se atropelou no próprio preconceito do qual ela julga estar isenta - me fez descobrir uma excelente cronista.
 
Virei fã! Da Bábara, é óbvio!
Leiam, leiam, leiam: é bárbara!

Gente hipócrita
(Barbara Gancia)


http://www1.folha.uol.com.br/colunas/barbaragancia/2013/10/1354924-gente-hipocrita.shtml 

14 de outubro de 2013

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O funkeiro da Parada



Parada LGTB Rio 2013, Praia de Copacabana

Muito assertiva, para não dizer brilhante, a intervenção do locutor do carro do Funk durante a PARADA LGBT RIO 2013, ontem em Copacabana. Quando um punhado de baderneiros tentou botar o terror no meio da multidão que dançava na maior alegria e paz, ele lançou mão do microfone, mandou cortar o som e soltou o vozeirão: 

 - Polícia Militar, Polícia Militar! Atenção! Atenção! Aqui do lado direito do carro 10, bem na frente, tem gente que não tem nada a ver com a gente e que está buscando briga! Polícia Militar! Polícia Militar! Lado direito do carro 10, bem na frente!  Gente, aqui não é lugar de briga, é lugar do amor! Quem não estiver de acordo, vá embora! A gente gosta de funk, não gosta de briga! Vamos apontar para quem está brigando! Vamos apontar para quem está brigando! Vamos mostrar para a Polícia! Aqui não é lugar para brigar! É lugar do amor! Quem não estiver de acordo, eu repito, vá embora!  Gente, não interessa se você é gay, lésbica, transexual, travesti, heterossexual, bissexual! Vamos beijar na boca! 

O locutor funkeiro acertou em cheio. Primeiro, chamou a quem de direito - Polícia Militar, Polícia Militar! - à responsabilidade que é sua, e não dos organizadores da Parada, os quais, diga-se de passagem, realizaram este ano a mais bonita e espetacular manifestação LGBT jamais vista no Rio.

Em segundo lugar, demarcou com firmeza e nitidez o lugar dos arruaceiros - lado direito do carro 10, bem na frente! Vamos apontar para quem está brigando! Vamos mostrar para a Polícia! Aqui não é lugar para briga! - evitando não somente que o terror se alastrasse, como também que se confundisse os funkeiros (os quais, mais uma vez, requebravam alegremente na maior paz), com o punhado de baderneiros infiltrados. 

Por fim, não se intimidou em dar, de forma elegante, irreverente - e por que não dizer, reflexiva? - uma definição de LGBT que rompe com os clichês estereotipados: É lugar do amor! Quem não estiver de acordo, eu repito, vá embora! Gente, não interessa se você é gay, lésbica, transexual, travesti, heterossexual, bissexual, vamos beijar na boca! 

É isso aí: Quem não estiver de acordo, eu repito, vá embora! Como bem disse uma professora de psicanálise a respeito dos queixumes e censuras que, a exemplo de Dora paciente de Freud, insistentemente endereçamos ao outro: “é só sair de cena”.  

Um verdadeiro exemplo de festa, cidadania e civilidade. Parabéns ao locutor funkeiro: do alto do carro 10, assumiu geral o controle da Parada. No batidão carioca.