31 de maio de 2013

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Só cá


Rua do Rosário, pausa para o café. Os docinhos chegaram à mesa: torta de limão com suspiro, mousse de cupuaçú com chocolate branco, mousse de paçoca. A francesa provou um a um. E aprovou:

- Hmm...Délicieux... aussi bons qu’en France!

Elogio lisonjeiro. Todo mundo sabe que francês não gosta de colocar azeitona na empada de ninguém, ainda mais quando o assunto é culinária.

Está certo que o garçon era francês. O chef-pâtissier também. Ninguém duvida que o mundo está mudando e que o Brasil é a bola da vez. Brasileiro garçon em Paris, eu que o diga, nunca foi novidade, já um francês garçon no Rio era, até bem pouco tempo, no mínimo exotique. Quando é que a gente poderia imaginar?

A francesa, entre uma bocadinha e outra, silabava:  cu-pu-a-çú... pa-ço-cá... cu-pu-a-çú... pa-ço-cá...  

E, de queixo caído, repetia a lisonja:

- C’est vraiment délicieux... aussi bons qu’en France!

Bem, a gente se alegra, fica todo orgulhoso, é claro. 
Mas désolé, madame. A tartelette au citron, vá lá, qualquer boulangerie na França tem, e das mais deliciosas. 
Já cupuaçú e paçocá, só cá.

Seja sempre bem-vinda, madame: nossa terra tem sabores insondáveis.

Mousse de cupuaçú com chocolate branco
Mousse de "paçocá"

29 de maio de 2013

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Possível em pedaços



De pedacinho em pedacinho
A gente vai (se) construindo
Se não for do jeito que a gente sonha
É do jeito do possível de sonhar

Sonho (sempre) impossível
Possível (sempre)  em pedaços

E não é que é bonito?

22 de maio de 2013

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Surpresas do Redentor



Alemãzinhas de Cristo

As alemãzinhas quiseram ir ao Corcovado hoje: melhor aproveitar o sol, nunca se sabe o dia de amanhã. Entraram na internet para saber ao certo os horários: nunca se sabe também o que o Redentor nos reserva. Nunca mesmo. De mais a mais, alemão que se preza não gosta de ser pego de surpresa, melhor prevenir. 


Mein Gott! Que baita surpresa: a partir de hoje, 21 de maio, novas regras para venda de ingressos para o Cristo Redentor, dizia o site. Hoje, logo hoje. Para subir de trenzinho, UNICAMENTE pela internet e com reserva SÓ PARA O DIA SEGUINTE; se for de van, somente no Largo do Machado. Justificativa da Prefeitura: acabar com o transporte pirata e evitar o tumulto na região.


Meu Cristo! Sei não, nada contra organização, evitar tumulto, pirataria. Em relação às vans, vá lá. Mas essa de ter que reservar o ingresso OBRIGATORIAMENTE DE VÉSPERA, vai deixar muita gente em falta com Cristo. 


Por dois motivos, creio eu. O primeiro diz respeito ao próprio site do Corcovado (www.corcovado.com.br), onde fazer reserva é uma verdadeira via crucis. Tudo bem que é para visitar o Cristo, mas ele não merece isso. O segundo diz respeito ao seguinte: hoje, o céu está azul, dia lindo, ensolarado, visibilidade perfeita, e amanhã? Como é que um turista pode saber de véspera se o Cristo vai estar ou não encoberto? Penso que o trenzinho bem poderia ter ficado de fora dessa obrigatoriedade, dessa obsessão tão própria ao nosso tempo de tornar TUDO PREVISÍVEL, até as coisas mais simples e imprevistas da vida. Será que em breve teremos que reservar na internet um picolé ou uma cadeira de praia para o dia seguinte?

Ainda bem que as alemãzinhas sabem o que é dever. Resolveram não arriscar, ouvir a voz da razão: vai que amanhã o Redentor tem outra surpresa ou São Pedro resolve aprontar? Deixaram  de lado o trenzinho assim como as promessas que lhes fizemos de ver macaquinhos durante o passeio na floresta. Mais do que rapidamente, se enfiaram na primeira van e lá se foram ver o Cristo. Sorte delas: com Kant e o Redentor não se brinca.

PS: tão logo acabei de escrever, recebi o seguinte email:

“Entrei agora no http://www.ingressocomdesconto.com, que vende os tickets para o Corcovado. Eles estão vendendo para hoje. Acho que perceberam a burrice que estavam fazendo...”

Não falei que nunca se sabe as surpresas que o Redentor nos reserva?

20 de maio de 2013

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Não pode faltar





O gigante intelectual Antônio Cândido escreveu um belo artigo - lá se vão mais de dez anos - no qual elenca dez obras indispensáveis para se conhecer o Brasil. O artigo* (publicado na edição 41 da revista Teoria e Debate, com data de 30/09/2000) está circulando na internet, prova de que, no meio de tanta bobagem e estupidez, muita coisa boa existe e resiste.

Vale a pena lê-lo na íntegra. Ainda que a gente sofra, como foi meu caso do início ao fim da listagem, em constatar que não leu nada, ou quase nada, de realmente essencial acerca da História do Brasil.

No último parágrafo, simpatizei-me com Antônio Cândido ao nos fazer parte de seu remorso “não apenas por ter excluído entre os autores do passado (...) mas também por não ter podido mencionar gente mais nova (...) etc. etc. etc. etc”. Muito digno e elegante. Ninguém duvida que sua tarefa é hercúlea e que há que se ter o cacife intelectual comparável ao seu para bancá-la. E critérios rígidos para levá-la a cabo, no caso em questão, os de sociólogo-historiador.

Mas modestamente, e com o maior respeito do mundo, peço licença ao escritor e militante para fazer uma pequena-tripla ressalva: sem a ironia crônica de Machado de Assis, a pitada sensual de Jorge Amado e o "matutês" de Guimarâes Rosa, dá para conhecer o Brasil? Sem falar nas absurdezes de Clarice...

Pronto: sem querer, já tenho quatro nomes para a minha lista do que não pode faltar. Faltam seis: socorro!


* Na íntegra:
http://blogdaboitempo.com.br/2013/05/17/antonio-candido-indica-10-livros-para-conhecer-o-brasil/ 

19 de maio de 2013

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(Minh)a hora e (minh)a vez do diospyros kaki






Confesso que sempre o achei bonito. Doce e saboroso também. Mas não a ponto de preferi-lo a outros integrantes da fruteira:  manga, abacaxi, abacate, tangerina, laranja. Desde minha infância lembro-me dele à mesa, meus pais fazendo-lhe elogios, enaltecendo suas virtudes. Acho que fiquei com a ideia de que ele era mais para o gosto dos adultos que das crianças. Às vezes o tinha nas mãos, sem muita alegria ou convicção, mordia-o, achava bom, sem exaltação. Parecia-me meio sem graça, o sabor muito aquém de sua cor, mais para se ver do que para se comer. Sem falar na viscosidade esquisita: era muita lambança para pouco prazer. Anos a fio o desdenhei, fiz pouco caso dele, o preteri, sem muita consciência de fazê-lo. Simplesmente vivi com ele deixando-o para lá: o conheci desconhecendo-o, o avistei sem vê-lo, o provei sem descobri-lo. E mais do que isso: sem saber o que eu estava perdendo. Tão frequentemente humano, não?


Mas sempre é hora de despertar para a extraordinária novidade daquilo que pensamos conhecer bem e que, na verdade, não conhecemos. Foi o que aconteceu comigo. A cor, sempre a vibrar. Eu já deveria ter atinado: cores não vibram à toa. Macio no toque, a pele muito fina, delicada como a seda oriental. Amadurece rápido, tão rápido, que de um dia para o outro, se abre no simples apertar de dedos e desmancha-se na língua como um pudim. E que fineza de sabor! - sutil como uma flor. Só poderia ter vindo do Oriente.


Seu nome, que origem tem? Não sabia, soube hoje. Em Portugal, chamam-no de dióspiro (diospyros), do grego dióspuron que significa "alimento de Zeus". Entre nós, cá, aqui: caqui, do japonês kaki. Dióspiro ou caqui, é realmente dos deuses. Não é à toa que levei tanto tempo para finalmente descobri-lo: chegar ao paladar do Olimpo requer aprendizagem, longa maturação dos sentidos.


Seja como for, agora é (minh)a hora e (minh)a vez do caqui: não tenho mais um segundo sequer de sabor a perder. A vida é feita para se lambuzar.