31 de dezembro de 2012

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NOV-ATO


 
VOTOS PARA O ANO NOVO?
VOTOS NÃO: ATOS
O AMANHÃ É VAZIO
O TEMPO NUNCA É NOVO
SÓ HÁ NOVIDADE NO ATO
O ATO É SEMPRE NOV-ATO
CRIADOR DE NOVIDADE
NOVA-IDADE
NO-VIDA-DE

"Começando agora, já. Nada de depois, amanhã, de quando houver tempo: o que chamamos de presente é o único tempo que existe. O tempo está a nossa espera para que preenchamos o instante com amor. Aí, ele para de correr e passa a fazer sentido."

(Claudio Pfeil, Diário de um analisando em Paris)

30 de dezembro de 2012

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Des-valor das coisas


O valor das coisas
Não está em lugar nem coisa alguma
As coisas só tem valor
na medida em que são compartilhadas
Fora isso, nada
Tudo é desvalor

Pois é esse tudo-nada
Universo de absurdez
Que ardo-me 

olhos
boca
pele
Sempre a procurar
Só para lhe ofertar
E dizer-te ante suprema insignificância:
(com)parte comigo?

29 de dezembro de 2012

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O pulo do gato


Na hora do click

mirantes olhos

sorriso aberto

um leque

E de repente

Wowwwwwww

O pulo do gato



Tudo gira

A cabeça sai do quadrado

O mundo cai do prego torto na parede

Destino tonto



A gente quer fixidez

Ser cada coisa no seu lugar

Por a moldura no tempo

Apanhar o deslizar



Mas o gato

embora dado à mansidão

à justa pose da fotografia

é um arranhador de ilusão

Dócil e indômito como o tempo



Seu repouso é constância

silenciar de pedra

Seu pulo, imprevisto

irromper do nada



26 de dezembro de 2012

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Rua de Natal

Goa, Índia



Começou assim:
- Natal?
- É nome de rua
- Rua de Natal?
- Não, de Goa
- Goa, Índia?
- Boa! Índia
- Hmm, a índia é boa
- É Goa, rua, nome Natal.
- Nua no Natal?
- Rua, Goa, Índia...
- Ahhhh, nua, boa, índia...

Lá adiante ouviu-se que uma índia boa passou o Natal na rua
Mais prá frente: uma índia nua passou o Natal na boa
Onde o vento faz a curva, o que se diz é que uma índia boa de rua deu à luz no Natal. A índia pariu?
Um menino, dizem uns, chamou-o Natal, dizem outros
Onde? Lá embaixo, na rua
Acudiram lá  

A índia nunca se viu, nem boa, num nua, nem menino, nem Natal
Mas a fala corre nas ruas, ninguém sabe ao certo onde, 
o corre-corre é geral   
Puseram então uma placa, um nome: rua de Natal

Natal, o que é, quem é?
Ninguém sabe, todos falam
Enquanto a fala corre, o saber escorre
Nome é fala palpitante emplacada sem saber

Natal é nome de rua
A mim isso basta como Natal
Apenas um nome, vazio de si
E um alegre descobrimento:
prosseguir sem nome meu caminho pela rua

17 de dezembro de 2012

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Massacre da demokratia?

As lágrimas de Obama ante o recente massacre nos Estados Unidos me pareceram sinceras. Depois delas, vieram as palavras. O Presidente americano estimou que essa matança deveria dar o sinal para, eu cito, "tomar medidas significativas para impedir tais tragédias”. Só faltou uma coisa ao Presidente: dizer quem e quais?

Os jornais publicaram que a cada ano - ouçam bem - 31.000 pessoas morrem em nome do direito, inscrito na Constituição americana, de possuir armas. Qualquer ser humano mediamente sensato sabe o que há a se fazer. Só os hipócritas e imbecis nostálgicos do faroeste podem achar que a posse de uma simples arma é garantia de segurança. É garantia sim, de dinheiro no bolso de quem a produz e da repetição de massacres em série.

A pergunta que formulo ao ouvir as palavras de Obama, a quem, faço questão de dizer, muito estimo, é a seguinte:

- Presidente, mais do que expressar suas condolências às famílias das vítimas e juntar-se a elas em cultos religiosos ecumênicos, não cabe ao senhor tomar para si, com unhas e dentes, a guerra contra o lobby de armas no Congresso americano?

Resta saber se as lágrimas e os bons sentimentos de Obama podem mais do que os fuzis. Prefiro acreditar que sim. Do contrário, corre-se o risco funesto de sermos levados a concluir que, entre a democracia moderna e a demokratia, tal como os gregos a conceberam - isto é, um espaço cuja função soberana não cabe a alguém ou alguns, mas a todos os cidadãos, e no qual a economia está a serviço da política e não a política a serviço da economia - restou apenas a palavra morta. Assassinada.

Massacre da demokratia?

14 de dezembro de 2012

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O economista que ama o raso

O jornal O Globo publicou em 10/12/2012, “O humanista que amava Stalin”, do economista Rodrigo Constantino: 

http://moglobo.globo.com/integra.asp?txtUrl=%2Fopiniao%2Fo-humanista-que-amava-stalin-6998686

Não conheço o autor, acho até que poucos o conhecem.  Já Niemeyer, bem, Darcy Ribeiro dizia que será o único brasileiro lembrado daqui a milênios: fato é que o mundo inteiro não só o reverencia como ainda chora por ele. É acerca do milenar Niemeyer que Rodrigo Constantino afirma sem pestanejar que “virou um ícone contra o excesso de razão nas construções, mas acabou com extrema escassez de razão em suas ideias políticas. Sempre esteve do lado errado, alimentado por um antiamericanismo patológico.” Não vou entrar em polêmicas, isso não me interessa, mas confesso que essa topologia “certo X errado” me preocupa muito. A Inquisição está aí para mostrar aonde isso pode nos levar. Sinto-me portanto convocado a expressar o sentimento de um brasileiro comum, quase-arquiteto, e filósofo.

Até onde eu sei, Niemeyer é um esteta do traço, não da politicagem, nunca teve pretensões de Estadista, tampouco exerceu cargo executivo ou partidário. Suas convicções ideológicas - as quais, diga-se de passagem, sempre assumiu às claras sem proselitismo nenhum - não acrescentam nem retiram nada de seu gênio. Niemeyer é o que é.

A meu ver, é um equívoco tosco tentar redimensionar a dimensão criadora de um artista ou pensador em função de suas convicções ideológicas, estas sempre encarnadas num determinado momento histórico. Não sou a favor de se negar, falsificar ou trapacear fatos da história de cada um. Sem dúvida, é fundamental conhecer o contexto, as ideias, as tomadas de posição individuais. Mas forçar a barra, como faz Rodrigo Constantino, é desonesto. Ainda que Niemeyer carregasse nas costas o fardo das atrocidades que o economista lhe imputa num rasgado rancor anti-comunista, valeria acima de tudo um questionamento: Niemeyer teria ainda mais valor se não fosse comunista? Sein und Zeit, de Heidegger, que marcou profundamente os principais sistemas de pensamento do século XX, torna-se menos genial quando se alega que o mesmo Heidegger era partidário do Nationalsozialismus? Teríamos que jogar Sartre e o Existencialismo - sua inigualável produção literária, teatral, filosófica, ensaística, sem falar no papel revolucionário que teve na sociedade - na lata do lixo, em nome de algumas de suas “escolhas fracassadas” e dos desmentidos da História? Nessa hora, a prudência é a melhor companheira. A cada um, seu esforço de reflexão e sua resposta. 

Rodrigo Constantino parece já ter a sua prontinha no armário, bem ao estilo prêt-à-porter, e com ares de quem inventa a roda, não faz mais do bradar aos quatro cantos clichês e chavões patéticos. Ah, se no mínimo o fizesse com algum traço de arte ou leveza, coisas que Constantino poderia ter aprendido com Niemeyer. Mas não: o texto é pobre, enfadonho, tendencioso, superficial e, o que é realmente grave, de um sensacionalismo insidioso e oportunista.  Frases do tipo: “No Brasil, você pode ser podre de rico, viver no maior conforto de frente para o mar, mamar nas tetas do governo, desde que adote a retórica socialista. Falar em justiça social enquanto enche o bolso de dinheiro público, isso merece aplausos por aqui. (...) Ele admirava os tiranos assassinos Fidel Castro e Stalin, e chegou a justificar seus fuzilamentos. Até o fim de sua longa vida, usou sua fama para disseminar essa utopia perversa, envenenando a cabeça de jovens enquanto desfrutava do conforto capitalista.” Niemeyer mamando nas tetas do governo? Enchendo o bolso de dinheiro público? Admirando tiranos assassinos? Justificando fuzilamentos? Envenenando a cabeça de jovens?

O resto se encadeia no mesmo registro: está lá no jornal para quem se interessar. E conclui assim: “Por fim, espero que Niemeyer chame logo seu camarada Fidel Castro para um bate-papo onde ele estiver, e que lá seja tão paradisíaco como Cuba é para os cubanos comuns. Talvez isso o faça finalmente mudar de ideologia”. Pelo visto, Constantino é chegado a uma pândega, razão a mais para se lamentar que não tenha herdado outra lição do gênio arquiteto: elegância e bom gosto. Ao terminar de lê-lo, fica mais do que explícito seu real propósito, o de nos convencer de que o capitalismo é o melhor dos mundos e que todos os esquerdistas, socialistas e comunistas, digam o que disserem, pensem o que pensarem, no fundo são uns hipócritas que se disfarçam de humanistas e querem mais é se aproveitar dessa maravilha que é o capital. Além disso, fica evidente o sofisma do economista, o mesmo que consistiria em julgar, mutadis mutandis, Pierre e Marie Curie um par maquiavélico de facínoras já que, por força do gênio dos dois, Hiroshima foi possível. 


Raso, muito raso, Rodrigo Constantino. E pior, perigoso, uma vez que, falaciosamente, cinde a moral em certo e errado, transformando-a em moralismo. Trata-se, isto sim, de um tremendo moralista.