29 de agosto de 2013

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Exorcismo das Demoiselles

Les Demoiselles d'Avignon, Picasso, 1907, MOMA, NYC
Os franceses, para quem Picasso é Picassô e que detém a maioria das obras do mestre espanhol – vide o espetacular Museu Picasso no Marais – devem ficar um pouco bolados, ou pelo menos com uma pontinha de ressentimento. Les Demoiselles d'Avignon, espécie de marco inaugural do Cubismo, encontra-se no MOMA de New York e não em Paris. 

Lembro de ter lido uma vez, palavras do próprio Picasso, que essa obra representou para ele um “primeiro exorcismo”. Para ele e para a Arte mundial: depois das demoiselles a pintura nunca mais foi a mesma, sofreu, digamos, uma torção, uma con-torção radical. Não foi à toa que gente boa, Matisse inclusive, torceu a cara para elas. E muitos franceses, imagino, devem continuar a torcer. A gente que é brasileiro se compadece: Abaporu, de Tarsila, obra-prima da mais importante de nossas pintoras, encontra-se em Buenos Aires. 

Seja como for, encontrar as demoiselles em New York, é dos mais espetaculares rendez-vous que se pode ter. E depois de visitar o extraordinário MOMA - os franceses hão de me perdoar - a gente se sente meio exorcizado como se o próprio Picasso estivesse a exclamar: que bom que eu estou aqui!

27 de agosto de 2013

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New in motion

A Pair of Shoes, Vincent van Gogh, Metropolitan, NYC


A gente acorda, vai malhar, volta pra casa
Toma o breakfast, se apronta, sai pra rua
Sobe, desce
Roda, atravessa
Se perde, ziguezagueia, acha
Se espanta, admira, exclama
Olha ali, olha lá!
Mas o que é isso?
Bate perna o dia inteiro
Volta para casa exausto
Toma banho, prepara comida, abre o vinho
Come, bebe, preguiceia
Da uma deitadinha, abraça, cochila, às vezes cai no sono
Sente um formigamento, um comichão
Levanta:
·         Bora pra rua! Bora!

E lá vamos nós
Perdidamente entre calçadas e arranha-céus
Na sombra das horas que não fecham os olhos
Na calçada das gentes que nunca param de passar
Na ânsia de ver, vi-ver, conviver
A cidade sempre em vida, atrevida, corrida
Nervosa, trepidante, febril
Movida, comovida
Única

Não é a toa que tem NEW no nome
E que NEW é como a gente nela se sente

NEW York emotion
In motion

Forever alive

25 de agosto de 2013

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Crazy World Screen

Times Square, New York
Que NEW YORK é CRAZY
CRAZ(N)Y CRAZ(N)Y
Todo mundo sabe
Conhece
Ou já ouviu falar

Mas que o CRAZ(N)Y de NEW YORK
é um CRAZY mais que CRAZY
Está na cara
No ar
No (in)tenso brilho
Bem-mal-estar
Sujeira subterrânea

Na verdade 
O CRAZ(N)Y de NEW YORK
Não é só de NEW YORK
CRAZY CRAZY CRAZY
São os arranha-céus de contradições
E aparências moles
Do mundo screen em que a gente vive

TIMES SQUARE
CRAZY NEW YORK
CRAZY WORLD SCREEN

17 de agosto de 2013

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O aprendizado de bienvenue

La tendresse, Paul Lancz, Montreal

Bienvenue é a palavra para se desejar boas-vindas em francês. Quando se chega a Paris, logo de cara no aeroporto, a gente se depara com bienvenue nos painéis com a Torre Eiffel, Arco do Triunfo, Notre-Dame, Montmartre, mas depois se esquece ou raramente se lembra dela. Claro, Paris não é a França, e felizmente sempre tem um parisiense acolhedor para nos fazer lembrar que se é bem-vindo. Um, alguns, mas tem. Isso para quem fala francês, quem não fala, bem, vai ser mais difícil, ou muito menos provável, saber o que é bienvenue.

Devo dizer que nesse ponto o Quebec representa uma contribuição muitíssimo importante à língua francesa e, por que não dizer, à própria cultura francesa. Já sei, já sei, Quebec não é a França, assim como Paris também não é. Mas por isso mesmo, o Quebec é uma total originalidade, uma originalité à la française: aqui não tem como a gente não lembrar o tempo todo a palavra e o significado de bienvenue.

Pois é das palavras que a gente mais ouve. A gente diz merci e em troca, ao invés do formal je vous en prie, recebe um bienvenue! Quem fala inglês, claro, não vai achar nada demais, you're welcome é forma usual de polidez. Mas na França, alguém responder a um merci com bienvenue, não é nada bem-vindo. Se sorrir, gargalhar e ainda por cima desejar espontaneamente passez une excellente journée, é mesmo de se estranhar. É preciso vir ao Quebec para saber o que é bienvenue.

O significado, como diz Lacan, não está na palavra, mas no contexto. Qual o contexto de bienvenue do francês no Quebec? Muito simples, pois o contexto é justamente este: simplicidade. No Quebec a gente se dá conta de que a simplicidade é a própria expressão do francês aqui falado: entonação com ar de cidade de interior, cadência tranquila, som nasal, jeito singelo, meio acanhado, sorriso aberto que faz covinha no rosto, olhar tranquilo de quem ouve o outro com paciência e não se irrita em esperar, repetir, explicar, pelo contrário - o québecois é todo bienvenue.

Eu vou além: foi o Quebec que inventou bienvenue. Não a palavra, obviamente, que é francesa. Mas o sentir-se delicadamente bem-vindo que ela provoca na gente, feito um abraço, um beijo, um afago. O Quebec faz isso: bienvenue.

Precisei vir ao Quebec para me sentir mais em casa no francês, e sentir o francês mais a minha casa. E toda vez que ouvir merci quero lembrar de dizer bienvenue.   

15 de agosto de 2013

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Descoberta do "só lá"


"A bottle of Vodka" foi a resposta do canadense quando lhe indagamos o que queria de lembrança do Brasil. Achamos para lá de curioso, para não dizer estranho. Cachaça? Não, vodka mesmo. Alguma marca em especial? Não, qualquer uma. Certamente devia ter uma razão. Pedido acatado, é claro, mas junto a ele levamos nosso estoque pessoal de cachaça. Ainda bem.

A estranheza causada pela insólita encomenda persistiu durante alguns dias. Mas depois de ver tanta gente andando na rua com copos enormes de café em vez de cerveja ou coisa parecida, palpitamos que tinha alguma relação com ela. E tem: bebida alcoólica no Canada não só é altamente taxada pelo governo, como só é vendida em lojas autorizadas e contadas a dedo. E mais: proibição do consumo em lugares públicos. Noite dessas aconteceu num bar uma cena, digamos, engraçada: o canadense quis passar para a smoking area do lado de fora, mas foi impedido por estar com um copo na mão. Beber é dentro, fumar é fora: quem gosta de fazer os dois ao mesmo tempo, melhor ficar em casa. 

Hoje entramos numa loja de bebidas: uma garrafa de Smirnoff, a mesmíssima que trouxemos, é vendida por 36 dólares e caqueirada. Doing the math, para usar uma expressão que aprendi ontem, dá em torno de 80 reais. Confesso que no fundo sentimos um certo contentamento. Afinal, nem tudo na terra da gente pode custar mais, muito mais, absurdamente mais caro. E nem tudo na terra da gente deve nos entristecer por não ter regras. Pelo menos nisso a gente tem a ilusão de sair ganhando: comprar uma garrafa de vodka por 22 reais para bebericar onde bem entender.

Deu até saudades do MUNDIAL. O de Copacabana, é claro. E da caipirinha na praia com o por do sol de Ipanema ao fundo. Mas isso, só lá.

Viajar também serve para isso: redescobrir no meio de tantas coisas novas e fabulosas, o “só lá”. Viajar é, antes de tudo, a experiência que fazemos da parcialidade e da incompletude.
Nossa e a do mundo.

13 de agosto de 2013

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???????


Em Toronto, até perdi a conta: a gente entra na loja, no bar, no restaurante, e ouve do atendente Hi! How are you? Na hora de sair: Have a nice day! 

Na mesma Toronto, ao entrar no elevador do nosso prédio, se tem alguém dentro damos Hi, Morning ou Good evening! Silêncio. Silêncio de verdade, nem um susssuro, um deslizar de lábios, um arranhãozinho de garganta. Outro dia, pensando ter feito a saudação baixo demais repeti: Hi! O mesmo silêncio repetiu-se também. 

Cultura é como o desejo. Não tem lógica. 
Resta sempre um silêncio irredutível : ???????

11 de agosto de 2013

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Quantos olhos?


Aeroporto de Atlanta. Um casal fazia conexão: ele e ela cegos, cada um com sua vara guia e de mãos dadas com um garoto de sete ou oito anos. Extra-ordinário.
O garoto caminhava num passinho certeiro e decidido entre os dois, parecendo enxergar tudo e saber muito bem qual o destino dos três. Extra-visionário.

Fiquei pensando: quantos olhos tem que ter essa criança? E que simbólico ela carrega na bagagem?

7 de agosto de 2013

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Salv-ação





Pedalando
Olho para o alto
O que vejo?

Corcovado
Cristo Redentor

Reconfortante
Este Outro
Que sela
Vela
Zela
Por nós

Senhor! Salva-nos da dor
Vida errante
Sentido ausente

Salvador
Salva-dor!

Mas sobre este Outro
Redentor
Nuvens sempre a pairar
E os mesmos braços no ar
Estão como que a nos soltar:

Criatura!
Nada posso por ti
Que não faças tu mesmo
Te vira!

Angústia
Desamparo
Vazio do céu
Des-espero

Bem-aventurados os que desesperam
Pois seu reino é aqui mesmo na Terra!
Des-esperar liberta a ação
Des-esperar salva a ação

Salv-ação
Salve-a-ação!

Salv-ação é lavoura e colheita
Fertilidade revolta de incertezas
Invenção infinita dos homens