17 de fevereiro de 2014

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A verdadeira ilusão






A Jeff Aragon




Ao ver o hóspede na cama 
noite adentro
baralho à mão
pensei, ri-me até -
de certo vai jogar paciência,
que ideia trazer um baralho na bagagem!  

A ilusão começara ali
naquele relâmpago de visão
Di-visão
a minha é claro

E o que era ilusão di-visão
adormeceu serena
ganhou a noite inconsciente
fingindo se esquecer
para só amanhecer no dia seguinte
sem se desfazer
pelo contrário 

Apenas tomou a forma de um gigante
Do mestre dos mestres do ilusionismo
tomou a casa
tomou os gatos
tomou os olhos
tomou os ares
tomou a nós mesmos
tudo, tudo, tudo
Casa, gatos, olhos, ares, nós, mesmos, tudo?!
Meu Deus! 

Contando ninguém acredita.
Ninguém. Nem mesmo a gente.
Mas de que vale a crença
Quando o coração vai parar nas alturas? 

Melhor assim
Deixar quieta a carta no baralho
O dólar, o oito, a bola de sinuca
Soltem-se as mãos, os dedos, os elásticos
Pois nada podem por nós
Senão padecerem da perplexidade nossa
E do fortuito, misterioso
Enamoramento do encontro
Sem hora ou carta marcada para acontecer 
E acontece sem sentido algum
Que não o próprio acontecer

O sentido e a explicação 
Nada nos fariam ganhar
Sobre o acaso que ronda
Arregala os olhos
Prende a respiração
Provoca a visão
Di-visão
Ilusão 

Ah ilusão, ilusão, ilusão!
De que é feito o verdadeiro Iludir-se?
Não é miragem, delírio, sonho da visão
Ilusão da grossa, das grandes, isto sim
é engodo, disfarce, mentira da certeza
A verdadeira ilusão fabricamo-la nós mesmos
no (em)baralho do saber que acreditamos já possuir:
de certo vai jogar paciência,
que ideia trazer um baralho na bagagem!

2 de fevereiro de 2014

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Palavra de mestre




Eduardo Coutinho
Há alguns anos encontrei-o de madrugada, solitário, sentado à mesa de um restaurante no Leblon. Fumava. Olhar perdido não sei onde, entre a fumaça, o prato vazio à frente, um copo com gelo. Num ímpeto, fui ter com ele, um intruso a dizer-lhe minha admiração.

Gosto muito de seus filmes, sobretudo de Edifício Master, sorri-lhe.

Ele, tímido como uma concha, esboçou uma surpresa contente, quase não disse nada. Mas disse, voz rouca, sussurrante:

- Estou aprendendo a fazer cinema...


Hoje o aprendiz se foi. 
Mas a palavra, testemunho de um verdadeiro mestre, ficou.