28 de abril de 2014

2

Noitinho

Claudio Pfeil, Noitinho I, Búzios




Quando a noite desce
Noitinha que só ela
Andorinha acende na gente
Cantinho só de amar 


A noite então faz ninho
Morna noite inha
Noite inha ninho
Morninha noite
Noitinho ninho


No mar tudo é repouso
Mansidão de golfinho
Novelinho de ondas
Chuá chuá de búzios


No alto tudo é adivinho
Murmurinho de vento
Pergaminho de estrela
Beijinhos que em ti soletro
De mansinho 

Na noite tudo é jeitinho
Montinho de dois
Cadinho de afago
Noitinho ninho


Claudio Pfeil




15 de abril de 2014

1

O doublé de Isabelle




No bate-papo com Isabelle Huppert, ontem à noite no Cinemaison, no Rio de Janeiro, fiz-lhe uma pergunta, em verdade, duas: se dentre tantos papéis interpretados por ela, haveria um pelo qual ela tivesse uma afeição especial, e se, justamente, em virtude de tantos papéis já interpretados - o que, imagino eu, faz com que a exigência na escolha de um novo papel seja cada vez maior - haveria um papel que ela gostaria, ou sonharia, que lhe propusessem. 
Isabelle Huppert, fina, afável, sem se fazer de estrela, sorriu com os lábios batom rouge sangue, sem no entanto - ela é francesa, certo? - mostrar os dentes. 
- Je suis désolée, mais je dois répondre "non" à vos deux questions. 
Isso mesmo, non e non. Claro, a plateia riu. 
O primeiro “non” justificou assim: um papel para ela só tem importância enquanto o está fazendo, uma vez terminado, passou, não lhe pertence mais, e sim ao espectador. Não se tem a mesma relação com um papel conforme se é atriz ou espectadora, arrematou.
O segundo “non” veio seguido assim: ela não espera um papel, e sim um encontro, ou melhor, encontros. Deles, muitas vezes nada acontece, outras, nasce algo novo, inesperado, causador de um interesse particular, uma estranheza, um desejo. A partir daí, construir algo, quem sabe? 
O duplo não de Huppert me soou no fundo como um doublé de sim. 
O mesmo sim que a gente sub-repticiamente deposita no analista e em nós mesmos cada vez que se deita no divã, e que pode ser expresso mais ou menos assim: é somente através de um desgarramento em relação ao já feito, sabido, acabado, aos papéis que interpretamos no passado e aos quais nos agarramos em cenas repetidas no presente, que podemos dar-nos a chance de nos recriarmos por nós próprios. Trata-se de uma espécie de aposta totalmente incerta no desconhecido, mas que de tão visceralmente certa de desejo, traz consigo a promessa de que novos roteiros de vida venham vicejar. 
Desgarrar-se dos papéis para reescrever, no esvaziamento das identidades que nos constituem, nossa própria estória: eis o doublé de Isabelle, nem Dama das Camélias, nem Professora de piano, nem Madame Bovary, nem mesmo a própria Maud, a quem fomos apresentados durante a exibição de "Uma relação delicada" (Un abus de faiblesse), na estreia chuvosa do Festival de Cinema Francês no Rio.