Observo
nas conversas que tenho tido, nas pessoas ao meu redor, que elas não colocam o
amor na pauta do dia de suas vidas. Não falo de ter ou não um relacionamento:
falo de ter um amor. Para elas, independentemente de terem ou não um parceiro,
o amor não é uma realidade concreta. O que eu quero dizer com isso? Que elas
têm o amor como algo que só existe no pensamento, como uma realidade abstrata,
difusa, como um número, um objeto geométrico, como falar da origem do universo
ou de estrelas que brilham no céu, mas deixaram de existir há anos luz. Algo
irremediavelmente perdido num passado mítico do qual trazem alguma lembrança,
ou guardado a sete chaves num futuro que anseiam chegar logo, mas temem nunca
chegar. E não chega mesmo: o próprio do futuro é estar sempre por vir.
O
paradoxal nisso tudo é que, mais ou menos explicitamente, todo mundo busca um
amor, ou diz buscar, diz querer. O problema, dizem as pessoas, é que não
encontram. O problema vem do outro, da ausência desse outro, da sorte, da má
sorte. E seguem falando de trabalho, de política, de filhos, de problemas, de
coisas interessantes – outras menos interessantes, outras tantas chatas – de
dinheiro – ou da falta de – de aquecimento global, de vulcões, de greve disso,
de greve daquilo, de feio, de bonito, de dieta, de malhação. E de amor? Amor,
só em filme, livro, e olhe lá! Pois amor não é coisa real, é fantasia, como
carnaval. Brincadeira, passatempo, quando se tem tempo. E como nunca sobra
tempo: “deixa rolar, paciência... fazer o quê?”
Tudo,
menos esperar. Esperar ter tempo para amar, que perda de tempo! O amor não
requer espera, requer decisão. Decisão e comprometimento. Não há que se esperar
para amar, há que se determinar a amar, a dar amor ao tempo, isso sim, dar todo
amor a todo tempo. Começando agora, já. Nada de deixar rolar, de depois,
amanhã, quando houver tempo. O presente é o único tempo que existe. E ele está
a espera de que o preenchamos com amor. Aí, ele para de correr e passa a fazer
sentido. Quem diz buscar, querer o amor, deve antes de tudo se perguntar: o que
eu estou fazendo ao longo dos meus dias para tornar o amor presente?
Perguntam-me:
“Como vai? O que você tem feito?” Eu respondo: “Estou amando”. Isso causa uma
surpresa desconcertante, um sorriso meio indiferente, como se o amor não
tivesse lugar na vida real, não se encaixasse em nenhuma hora útil do dia. Mais
do que isso, como se amar não fosse um fazer, um cuidar, um viver. “Como uma
criatura, com tantas coisas e problemas no mundo, diz que amar é o que ela tem
feito?”. E riem-se, mais ou menos ironicamente, disfarçadamente. Na verdade,
disfarçam o profundo vazio da falta de amor em suas vidas, com pretensa
seriedade e aparente indiferença. Como se houvesse verdadeiramente valor para
além do amor, para além do afeto.
Pois eu
digo: nada mais sério e digno de cuidado, sem amor, dramático o existir!
“Resolvi dar um tempo no amor, cuidar mais de mim”, confidenciou-me um amigo.
Como se o amor e o cuidado de si se excluíssem, como se houvesse melhor maneira
de cuidar de si do que amar, como se houvesse algum si para além do amar.
Como se
amar fosse à parte. Uma parte. Não é. Fora do amor, se é?
Amar faz
ser. Amor é o todo, pois de tudo é o sentido. Não é parte, nem à parte.
É o ser
inteiro em ação, a exclamar como o Sol: agora, sim, eu vivo, eu vivo, eu vivo!
Diário de um analisando em Paris, p. 131
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