6 de dezembro de 2012

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A marca do gênio





Sou um quase-arquiteto. Desde pequeno, em Resende, desenhava com lápis de cor “a casa onde vou morar quando eu crescer”. Era uma planta-baixa atrás da outra, tudo bonitinho, bem detalhado. Até mesmo uma poltrona onde eu indicava com uma flecha vermelha e letras grandes: “poltrona da mamãe”. Eu dizia todo feliz para ela: você vai se sentar aqui quando vier me visitar. Sem eu saber, desenhando a poltrona de minha mãe, a psicanálise garantia em mim o seu lugar. E foi através dela, quando cresci, que o significante “casa” apareceu: la maison tant aimée, pontuou minha analista. 

Este foi um dos destinos de minha vida que não se cumpriu: não falo da casa, mas de ser arquiteto. Bem que eu tentei: cursei três belos anos na UFRJ. Infeliz com o tédio de Cálculo I, II, III, IV, V, VI e sei lá mais quantos, inventei que poderia fazer duplo curso: adicionei Belas Artes. Daí foi um pulo para abandonar a carreira desenhada na infância: pouco a pouco as tintas e a história da Arte me fizeram tirar os pés da Arquitetura para adiante fincá-los no Jornalismo, o qual levou-me à Filosofia, que por sua vez me trouxe à Psicanálise. Em resumo, da poltrona da mamãe ao divã.

Esse meu destino de quase-arquiteto me valeu muitas coisas boas, ensinamentos que exercito no meu dia a dia. É claro que não saio mais por aí fazendo plantas baixas multicoloridas como quando menino, mas aprendi, por exemplo, a fazer reforma, o que para alguém cujo significante “casa” reverberou analiticamente, tem suas vantagens. Mas se me perguntam o que mais marcou nesses três anos de arquitetura, a resposta é inequívoca: a lição de Niemeyer. 

A lição? Qual delas? A que diz que, se a reta é o caminho mais curto entre dois pontos, a curva é o que faz o concreto buscar o infinito? Que o universo é feito de curvas? Que a beleza é leve? Que Filosofia e História devem ser obrigatórias em todos os cursos superiores? Que a arquitetura está sempre do lado dos mais ricos, mas o que importa é acreditar que a vida pode ser melhor? Difícil escolher uma, quando se trata de um gênio do traço, cuja marca ondula como um sopro escultural nos quatro cantos do planeta. 

Mas a marca de Niemeyer em mim não é da ordem do traço, e sim da existência. Assim foi, anos atrás, num auditório mais do que abarrotado de estudantes de arquitetura. Indagaram ao gênio: 

- Que conselho o senhor daria para nós futuros arquitetos? 

Expectativa geral, todos à espreita de ver saindo da lâmpada uma dica, uma luz, uma orientação, um segredo técnico - um grão de inspiração, quem sabe? - aplicável às sinuosidades da profissão. Niemeyer balançou a cabeça, respondeu manso: 

- Sejam bons, generosos, mais solidários, mais humanos...o resto é bobagem... 

A marca do gênio. Arquitetura de vida: a casa tão amada.

Um comentário:

  1. É muito legal que é nessas horas que vemos que nada é por acaso mesmo. Tudo está sempre interligado. Quando estava lendo o texto, me lembrei que passei a vida dizendo que eu ia ser escritora, até minha avó diz que estou na profissão errada (psicanálise), ela continua achando que eu deveria seguir com a escrita. Escrevi dois livros, mas nunca tive coragem de publicar, vai ver porque sempre tem algo nosso exposto e prefiro preservar. Mas criar pessoas na fantasia, inventar histórias e enredos e ouví-los, está próximo do que fazemos enquanto analistas, não? Exceto a parte do inventar histórias....mas é a parte do divã...rsrsr

    Ana Scheer

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