17 de julho de 2013

3

Lógica de jiló




A novata do caixa não sabia o preço do quilo. Pegou um punhado e fez sinal para a colega. Devia ser novata também, não sabia, aconselhou-a: consulta no sistema. 

A moça teve um ar de desamparo, mas seguiu em frente. Teclou o J, o olhar parado na tela. Um instante, dois... permaneceu imóvel, silenciosa. Apagou, teclou de novo o J, depois o I. Parou mais longamente. Nada. Refez o JI, nadinha. Apagou de novo.

Disse-lhe: é "gê". A moça recomeçou: teclou o J, depois o E, JE, "jê". Nada. Insisti: "gê" de "guê”, não “jê” de jota. Ela apagou tudo. Pareceu confusa. Até eu fiquei. Silêncio lento, olhos atentos à tela, os seus e os meus. Recomeçou, teclou o G, depois o I, GI. Fez "gi" não "gê". Eu já ia falar, quando apagou tudo de novo. E agora? Teclou bem devagar o G, depois o E, olhou para a tela - setinha pra baixo...desceu, foi descendo, descendo... até parar: gengibre. Pareceu aliviada, eu também. 
 
Ela sorriu numa amarelice crua, indefesa, desavergonhada. Olhou para mim e disse: eu estava raciocinando como jiló...
 
Gê de jiló, jê de gengibre.
Gê e jê.
Lógica ilójica.

A moça tem é razão: lógica de jiló. 
Se a lógica não dá conta do jiló, o que dirá do desejo. 


3 comentários:

  1. Muito bom! Realmente, se há algo que foge totalmente à lógica é o desejo, este nos deixa tão perplexos, confusos e indefesos tal como a moça do caixa.

    ResponderExcluir
  2. Seu comentário acerca de algo corriqueiro, protagonizado por um caixa de supermercado, com conexão psicanalítica, é extremamente ilustrativo e prazeroso de ler. Como diz a leitora Ana Cristina,o desejo nos deixa tão perplexos, que ficamos com cara de jiló ou "giló". Muito bom.
    Hélio Araújo

    ResponderExcluir
  3. Para dizer a verdade, pelo meio do texto já éramos três confusos, quanto as linhas finais elojio, e não é por jentileza, achei ótimas! O jiló e Guimarães Rosa me tonteiam...

    Rosamaria Castello Branco

    ResponderExcluir